Liberdade editorial em xeque
Por Maiara Maduro*
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros nos lembra que o acesso à informação de interesse público é um direito fundamental e, para isso, os jornalistas não podem admitir nenhum tipo de impedimento, de obstrução direta ou indireta, aplicação de censura e a indução à autocensura, considerando esses atos delitos contra a sociedade.
Esta regra, inerente à profissão do jornalista, pode ser colocada em xeque quando se analisa a relação dos diferentes cargos e funções dentro de uma redação de jornal. Para embasar essa discussão, trago os resultados de uma pesquisa publicada em 2019 na revista americana The Internacional Journal of Press/Politics.
O artigo “Journalists and editors: Political proximity as determinant of career and autonomy” assinado por Andrea Cero, Sergio Splendore (ambos professores no Departamento de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Milão), Thomas Hanitzsch e Neil Thurman (professores do Departamento de Comunicação da Universidade de Munich, na Alemanha), teve como objetivo testar e comprovar uma hipótese principal de que a liberdade editorial mais ampla e a recompensa financeira maior estão com os jornalistas alinhados politicamente com os pontos de vista de seus superiores − no caso, os editores.
O artigo é um “dedo na ferida” para a classe jornalística que tanto preza pela autonomia, independência e valores éticos. Além disso, a pesquisa apresenta um certo ineditismo ao relacionar a remuneração e crescimento profissional com o que posso chamar de controle no posicionamento político dos jornalistas. Abre-se espaço para pesquisas futuras sobre a realidade brasileira, tendo em vista a forma atual como se produz e se consome notícias.
O artigo traz também para o debate questões importantes que acontecem nesse momento em que as redações de jornais diminuem a quantidade de profissionais, que muitas delas fecham ou transformam redações de jornais impressos em online. Um momento em que a carreira do jornalista, consequentemente, também passa por mudanças e por isso, se justificam pesquisas que analisem e apontem a direção das mudanças.
Consequentemente, a economia política dos meios de comunicação de massa sugere que as pressões comerciais levam os meios de comunicação de notícias a adaptar suas posturas editoriais às visões de seu público em termos de gostos e preferências políticas. (tradução nossa, p.2).
A pesquisa apresentada no artigo foi feita a partir de um conjunto de mais de três mil entrevistas com jornalistas de seis países europeus (Alemanha, Irlanda, Itália, Holanda, Espanha e Reino Unido). Essas entrevistas fazem parte do banco de dados do Worlds of Journalism Study (WJS). Trata-se de um estudo criado em 2010 com o objetivo de avaliar o estado do jornalismo em todo o mundo e ajudar os pesquisadores de jornalismo, profissionais da mídia e formuladores de políticas a entender melhor as visões de mundo e as mudanças que estão ocorrendo nas visões profissionais dos jornalistas, nas condições e limitações sob as quais os jornalistas operam e nas funções sociais do jornalismo em mudança.
O estudo está hospedado no LMU Munich, é financiado por várias organizações e conta com a participação de pesquisadores do mundo todo, inclusive sete pesquisadoras brasileiras. No artigo, foi utilizado um recorte da segunda pesquisa feita pelo WJS, onde foram entrevistados, ao todo, mais de 27.500 jornalistas do mundo todo, entre 2012 e 2016. Entretanto, na pesquisa apresentada no artigo estudado foram utilizadas respostas de 3.087 jornalistas entrevistados.
De uma forma geral, o artigo foi escrito de maneira persuasiva, em que leva o leitor a interpretar e analisar as hipóteses concordando com defesas apresentadas. Logo na introdução os autores sugerem que há uma espécie de “efeito dominó”: o público prefere consumir conteúdos em que há posicionamento e que indiquem a direção política a ser seguida, sendo assim, os grupos de mídia preferem recrutar jornalistas capazes de segmentar o mercado, atendendo as preferências políticas de diferentes consumidores partidários. Nesse trecho, mais uma vez, é possível relacionar-se ao caso brasileiro, em que a polarização política vivida nos últimos anos pode influenciar produção de conteúdo informativo direcionado a direita ou esquerda, bem como o consumo por parte dos leitores, espectadores, etc.
Ao final, a hipótese é comprovada e os estudos indicam que, apesar da qualidade do jornalismo estar alinhada com a autonomia e independência jornalística, no mercado geral da mídia, a proximidade política com a administração é recompensada.
REFERÊNCIA:
CERON, Andrea et al. Journalists and editors: Political proximity as determinant of career and autonomy. The International Journal of Press/Politics, v. 24, n. 4, p. 487-507, 2019.
*Doutoranda em Governança Pública e Desenvolvimento pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná e jornalista. Atualmente, trabalha como assessora de comunicação e professora universitária.
As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.