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Desinformação no mundo:  um estudo comparativo sobre como a desordem informacional se manifesta em oito países

Por Paulo Gustavo Ribeiro dos Santos*

A pesquisa sobre os processos de desinformação vem ganhando espaço crescente na área de Comunicação e Política. Porém, apesar da relevância global e das diferenças estruturais entre países, boa parte desses estudos foca no Norte Global (especialmente Estados Unidos e alguns países europeus) e, se não ignora completamente o Sul Global, estuda-o a partir das mesmas métricas, deixando profundas lacunas no entendimento desses processos. É nesse sentido que o artigo “Global misinformation trends: Commonalities and differences in topics, sources of falsehoods, and deception strategies across eight countries”, escrito por Regina Cazzamatta e publicado pela revista New Media & Society em 2024, parece ser uma ótima contribuição para o desenvolvimento de pesquisas sobre desinformação.

A partir de uma análise de conteúdo comparativa de notícias falsas desmascaradas por agências de checagem, Cazzamatta investiga as semelhanças e diferenças nos tópicos, origens de desinformação, estratégias de enganação e tipos gerais de notícias falsas entre oito países: Brasil, Argentina, Chile, Venezuela, Portugal, Espanha, Alemanha e Reino Unido. A premissa inicial seria que os contextos específicos desempenham um papel central na “desordem informacional” e que a ênfase da agenda nacional de notícias políticas seria um reflexo da desinformação no país.

De início, o artigo explora a definição de alguns conceitos-chave utilizados no estudo, tais quais: desinformação e “misinformação”. Dada a falta de conhecimento prévio com relação à intenção dos atores responsáveis por espalhar notícias falsas — especialmente no caso daqueles provindos das redes sociais — é adotado o termo misinformação como um conceito geral que engloba tanto as notícias falsas, quanto as imprecisas, enquanto o termo desinformação é utilizado para se referir aos casos mais extremos, quando há intenção de enganar.

Para entender melhor a forma como os contextos específicos operam nos processos de misinformação, o artigo recorre à revisão bibliográfica, citando autores como Humprecht, Rodríguez-Pérez e García-Vargas, entre outros. Em geral, as pesquisas discutem alguns fatores que influenciam a susceptibilidade de uma nação à desinformação, tais quais: polarização política, populismo, uso exacerbado das mídias sociais e desconfiança nas fontes de notícia tradicionais. Apesar de que movimentos de esquerda também espalhem notícias falsas, pesquisas estariam indicando que ideologias de direita demonstram maior susceptibilidade a elas e maior resistência a correção.

Indo aos agentes, tópicos e tipos de “falsidades”, os atores sociais responsáveis por criar e espalhar notícias falsas seriam os mais variados, dentre os quais estão os usuários de redes sociais e figuras políticas. Cazzamatta ressalta a dificuldade em encontrar as origens de falsidade devido a comportamentos inautênticos nas redes sociais, como a criação de contas falsas. Quanto aos tópicos, pesquisas teriam revelado uma correlação entre as agendas de noticiário nacionais e os tópicos das notícias falsas desvendadas por agências de checagem. Os tipos de falsidade, em geral, seriam mais notícias editadas ou descontextualizadas do que completamente fabricadas, mantendo certa conexão com a realidade.

A seleção dos países europeus a compor a amostra da pesquisa foi guiada pela tipologia de Hallin e Mancini, ao passo que os indicadores propostos por Humprecht guiaram a seleção dos países latino-americanos. Essa diferenciação se faz muito importante para analisar países distintos, pois considera as diferenças estruturais entre eles e evita generalizações. Em cada um dos países selecionados, foram escolhidos três tipos de agência de checagem com o intuito de haver variedade no processo de seleção das notícias checadas: a) veículos de mídia estabelecidos, b) agências globais de checagem e c) iniciativas independentes. Foram selecionados 25% dos artigos de cada organização, consistindo em 3.154 verificações publicadas entre 1 de janeiro até 31 de dezembro de 2022.

Para esse estudo, foi utilizada uma técnica estatística chamada “análise de correspondência”, usada para examinar possíveis correlações entre variáveis categóricas. Apesar de ser descrita no texto como benéfica para o estudo de grandes tabelas de contingência, que é o caso da análise comparativa proposta pelo artigo, a escolha por essa técnica deixou a desejar. Ao contrário do que se pretendia, a visualização dos padrões e a identificação de associações é dificultada, dando lugar a uma interpretação de dados mais trabalhosa.

Indo aos achados, os tópicos de notícias falsas verificados pelas agências de checagem no Brasil e no Chile estariam majoritariamente relacionados à política doméstica, o que poderia ser atribuído à eleição presidencial altamente polarizada no caso brasileiro e ao referendo constitucional chileno em 2022. No caso dos demais países analisados nessa pesquisa, o tópico predominante em todos foi “assuntos e políticas internacionais”.

Quanto às fontes de notícias falsas, o que se notou foi a dificuldade em as identificar, visto que, como o intuito desse tipo de conteúdo é enganar, as origens normalmente se mantem escondidas. Nesse sentido, na maioria dos países analisados, as notícias falsas se originam de usuários das redes sociais não identificados. Na Argentina, Venezuela e no Reino Unido, a quantidade de perfis identificados e não identificados é mais balanceada, enquanto no Chile, a maioria dos perfis seria de usuários identificados. Outros atores que se destacam na disseminação de notícias falsas são os políticos.

No caso das estratégias de enganação, notícias completamente fabricadas são menos comuns, como esperado, variando entre 6,1% na Argentina a 15% na Espanha, sendo mais prevalecente no Brasil e na Espanha devido à alta polarização. Descontextualização se destaca como a estratégia mais utilizada em todos os países. A Alemanha e a Espanha apresentam, também, um elevado grau de “conteúdo impostor”, que seria aquele que falsifica uma fonte genuína para dar credibilidade ao conteúdo. Estratégias de falsa conexão entre manchete e texto são menos comuns, mas mais frequentes em Portugal, Espanha e Reino Unido.

Dentre os tipos gerais de falsidades, os fabricados teriam um impacto maior nos países latino-americanos, o que corresponderia ao maior uso de redes sociais como fonte de notícias e à dependência de rádio fusão pública nessa região. Os países europeus apresentam uma maior susceptibilidade a informações enganosas, que são notícias exageradas ou distorcidas com o intuito de apoiar uma narrativa específica. Discurso de ódio também aparece como notável em alguns países europeus, como Alemanha e Espanha. Após uma breve contextualização das questões político-sociais que aconteciam nesses países no momento da análise, Cazzamatta argumenta que isso destaca como notícias falsas espelham os problemas nacionais e a agenda de notícias.

Em geral, como destacado no início, o artigo provou-se uma excelente contribuição ao desenvolvimento de pesquisas no campo da comunicação política sobre desinformação, preenchendo lacunas deixadas por pesquisas que se interessam exclusivamente pelo Norte Global. Nesse sentido, a única falha de Cazzamatta foi a quase nula referenciação a pesquisadores brasileiros. Quando pretende-se pesquisar um país, é no mínimo interessante explorar a produção literária deste acerca do assunto pesquisado. Vale destacar, também, que as agências de checagem não são neutras, como bem lembrou Cazzamatta na conclusão do artigo, o que coloca em xeque a acurácia do real estado da desinformação nos países analisados.

Referência

CAZZAMATTA, Regina. Global Misinformation Trends: Commonalities and Differences of Topics, Sources of Falsehoods and Deception Strategies across Eight Countries. New Media & Society, 2024.

* Paulo Gustavo Ribeiro dos Santos é graduando em Ciências Sociais, com ênfase em Ciência Política, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua como pesquisador no Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Tecnologia (PONTE). É bolsista de Iniciação Científica do INCT-DSI/CNPq.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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