Como o jornal O Globo se posicionou durante os impeachments de Collor e Dilma?
Por Pablo Silva Pimentel*
No dia 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff (PT), primeira mulher a ser presidente da República, foi deposta pelo Congresso brasileiro depois de um longo processo de impeachment. Vinte e quatro anos antes, era o impeachment de Fernando Collor (PRN), ocorrido em 30 de dezembro de 1992, que estava no centro da pauta política.
Entre os elementos que ajudam a explicar esses processos históricos que levaram às quedas de Dilma e Collor está o papel central do jornalismo brasileiro como ator político de desestabilização de seus governos. É a partir dessa reflexão que a dissertação “Não vai mesmo ter golpe”: Um estudo sobre os editoriais de O Globo nos impeachments de Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016) objetiva realizar uma análise sobre os posicionamentos editoriais do jornal O Globo, concernentes à construção da legitimidade dos processos de impeachment ocorridos no período da Nova República.
A pesquisa utiliza a Análise de Conteúdo para investigar um corpus composto por 191 editoriais – sendo 25 textos publicados entre 1º de setembro de 1992 e 06 de janeiro de 1993 e mais 166 editoriais veiculados a partir de 02 de dezembro de 2015 a 07 de setembro de 2016. Esses períodos correspondem ao recorte temporal que vai da aceitação das denúncias de crime de responsabilidade pela Presidência da Câmara Federal até uma semana após o fim dos processos de impeachment.
Antes do capítulo em que se trata de forma detalhada as técnicas metodológicas, o trabalho traz seção teórica que buscam mobilizar referenciais para se pensar a atuação do jornalismo enquanto ator e instituição política, discutindo a literatura sobre o gênero editorial dos jornais como instrumento para participar abertamente do debate público (capítulo 2). Além da discussão teórica sobre o jornalismo editorial, o trabalho busca compreender a historiografia sobre os impeachments de Collor e Dilma, enfatizando o papel desempenhado pelos media nos dois processos de deposição (capítulo 3).
A partir dessa revisão de literatura e de uma pré-análise dos editoriais, o trabalha lança as três hipóteses de trabalho e uma questão de pesquisa:
(H1) O Globo foi mudando progressivamente seu posicionamento editorial sobre a legitimidade da saída de Collor, enquanto que, no caso de Dilma, o referido jornal buscou construir a legitimidade para a saída da então presidente ao longo de todo o processo de impeachment.
(H2) Os editoriais de O Globo utilizaram argumentos distintos para legitimar a deposição dos dois presidentes: argumentos de natureza econômica foram privilegiados para sustentar o favorecimento do jornal ao processo contra Dilma Rousseff, enquanto que argumentos ligados ao combate à corrupção e fisiologismo foram acionados no caso de Fernando Collor.
(H3) O Globo abordou constantemente a tese de golpe contra Dilma Rousseff, buscando refutá-la ao longo do processo de impeachment.
(RQ1) Qual a frequência e o tipo de abordagem que o jornal O Globo empreendeu quanto à tese de golpe contra Fernando Collor durante o processo de impeachment de 1992?
Ao estudar os editoriais coletados, os resultados indicaram que o jornal privilegiou argumentos econômicos para legitimar o processo contra Dilma. Todavia, no processo contra Collor, O Globo priorizou argumentos contra o fisiologismo de seu governo para favorecer o processo de impeachment. Um dado relevante sobre a cobertura do caso Collor foi que a denúncia específica sobre o crime de responsabilidade contra o então presidente não foi discutida. Com relação à construção da abordagem editorial ao longo dos dois processos de impeachment em questão, foi percebida uma mudança da linha editorial durante a crise política que derrubou Collor, porém, o baixo número de editoriais evidenciou a falta de uma campanha do jornal tanto para destituir, quanto para defender a permanência do presidente. Já no caso de Dilma, os resultados confirmaram que O Globo buscou auxiliar na construção da legitimidade do processo durante todo o período, sempre reagindo aos acontecimentos que se sucederam ao longo do período de impeachment.
Ainda se verificou que O Globo teve um papel ativo e constante no combate à interpretação de que havia um golpe em curso contra Dilma. Essa narrativa foi associada pelo jornal a termos como “farsa”, “fantasia” “delírio” e, até mesmo, “bizarrice”. Porém, no caso de Collor, O Globo abordou a ideia de golpe apenas uma vez em todo o período selecionado para a investigação. Levando em conta os contextos históricos de cada processo de impeachment, foi evidenciado o caráter de ator político do jornal O Globo ao se constatar como os posicionamentos do referido periódico se relacionaram aos interesses ideológicos e comerciais da empresa jornalística durante esses episódios de intensa crise política nacional.
REFERÊNCIA:
PIMENTEL, Pablo. “Não vai mesmo ter golpe”: Um estudo sobre os editoriais de O Globo nos impeachments de Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016). 2019. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade Federal do Paraná.
* Doutorando em História e Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Possui graduação em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente é professor de História nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Seus interesses de pesquisa se concentram em Teoria Política, Jornalismo Político e História Social do Jornalismo.
As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.