Mensagens populistas geram maior engajamento nas redes sociais digitais? Os cenários austríaco e holandês
Por Deivison Santos*
Hameleers e colegas (2020) buscam compreender quais elementos do populismo online desencadeiam maior engajamento do público e em que medida políticos populistas são mais eficazes em mobilizar seus seguidores nas mídias digitais (Facebook e Twitter) do que políticos tradicionais. Os pesquisadores questionam se nas redes sociais digitais os políticos populistas provocam mais interação do que os políticos convencionais ou, talvez mais relevante, se esse processo ocorre em razão da ideologia populista que eles propagam.
Os autores argumentam que, embora nem sempre exerçam uma influência direta nas eleições, elementos da mensagem populista, presentes em discursos de representantes políticos que tentam estabelecer uma relação direta com seus eleitores, podem contribuir para a disseminação de visões de mundo populistas na sociedade e, desse modo, fortalecer as divisões sociais e prejudicar a construção de consensos acerca de questões públicas. É com base nesses fatores que Hameleers e colegas sustentam a relevância da investigação.
Literatura, metodologia e resultados
Enfatizando algumas das características que cerceiam o conceito de populismo (e.g. a centralidade de uma visão binária de mundo, dividido entre um “povo puro” e uma “elite corrupta”), destacando o potencial dos elementos da mensagem populista que levam a um maior engajamento e definindo engajamento político como respostas à comunicação direta de políticos em mídias digitais, os autores expõem sua primeira hipótese (H1): a comunicação populista conduz a um maior engajamento dos usuários que são expostos a conteúdos populistas do que aqueles que são expostos a conteúdos não populistas.
A partir de fatores que cerceiam o “estilo” populista, de elementos emocionais que circundam o discurso dos políticos desse grupo, do padrão de comunicação direta e do perfil mais chamativo dos políticos populistas, os autores também apresentam as seguintes hipóteses: (H2) a “negatividade” na comunicação direta dos políticos favorece o engajamento com a comunicação política; (H3) mensagens com emoções negativas têm maior probabilidade de desencadear a interação dos usuários do que mensagens que não possuem tais emoções; (H4) mensagens com um tom emocional positivo têm maior probabilidade de envolver a interação do usuário com comunicação direta nas mídias digitais do que mensagens sem esse tom emocional; (H5) a comunicação direta contendo referências à primeira pessoa (“nós”) resulta em maior engajamento do usuário do que mensagens sem essas referências.
Por fim, e considerando que os pesquisadores analisam os casos da Áustria e da Holanda, é proposta a seguinte questão de pesquisa: se, e se sim, de que modo, as relações entre estilos populistas, elementos de mensagem populista e atores populistas com o comportamento de engajamento diferem entre os dois países?
Para testar as hipóteses e a questão de pesquisa supracitadas, os autores utilizam de análise de conteúdo (AC) quantitativa a partir da investigação dos posts realizados por seis lideranças políticas da Áustria (durante as eleições parlamentares de 2017 no país) e sete lideranças da Holanda (ao longo das eleições gerais de 2017) no Facebook e Twitter.
São analisadas as postagens feitas entre as seis semanas anteriores às eleições e as quatro semanas seguintes ao pleito. Foram codificados 1.010 itens: 242 posts no Facebook e 255 tweets no caso austríaco; 264 posts no Facebook e 249 tweets no caso holandês. Também foram feitos testes de confiabilidade com amostras do corpus entre os codificadores e os resultados se mostraram aceitáveis (alfas>0,71). A classificação dos políticos populistas foi empreendida com base em literatura prévia, o engajamento dos usuários foi mensurado conforme as métricas de engajamento (reações diversas) dos usuários às postagens nas redes sociais digitais e a parte quantitativa da AC se deu através de regressões múltiplas.
Os dados permitiram confirmar as hipóteses H1 e H6, rejeitar as hipóteses H2 e H4 e confirmar parcialmente as hipóteses H3 e H5. No que se refere à questão de pesquisa, os autores encontraram algumas variações entre os dois países, como o fato de que o estilo e as emoções negativas estiveram mais presentes no caso holandês do que no austríaco.
Dentre os principais achados dos pesquisadores está o fato de que os elementos da mensagem populista não necessariamente geram maior envolvimento dos usuários. Além disso, notou-se que as referências diretas a emoções positivas reduzem a quantidade de comentários nos posts, reforçando a percepção de que o engajamento em certas redes sociais, como o Facebook, ocorre sobretudo motivado por controvérsias e intrigas. Outro elemento relevante descoberto é que a comunicação direta de políticos populistas de direita é mais eficiente do que de representantes tradicionais. Por fim, também foi identificada uma maior propensão do Facebook em estimular o engajamento dos usuários.
O artigo possui algumas limitações. Os autores não desenvolvem muito bem o (complexo) conceito de populismo, optando por uma definição um tanto genérica. Não há uma contextualização aprofundada sobre o cenário político das nações analisadas. E não existe nenhuma menção específica, na parte prévia aos resultados, sobre a diferenças que separam as duas plataformas investigadas (Facebook e Twitter). Entretanto, diante da ascensão de lideranças populistas que o mundo viveu (e ainda vive) nos últimos anos e dos perigos que esse fato pode trazer ao regime democrático (Levitsky; Ziblatt, 2018; Norris; Inglehart, 2019), estudos como o de Hameleers e colegas (2020) são sempre bem-vindos e ajudam a entender melhor os aspectos que circundam esse fenômeno.
REFERÊNCIA PRINCIPAL
HAMELEERS, Michael; SCHMUCK, Desirée; BOS, Lieke; ECKLEBE, Sarah. Interacting with the ordinary people: How populist messages and styles communicated by politicians trigger users’ behaviour on social media in a comparative context. European Journal of Communication, p. 1-16, 2020.
REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
NORRIS, P.; inglehart, R. Cultural Backlash. New York: Cambridge University Press, 2019.
* Deivison Santos é graduado em Ciências Sociais, com habilitação em Ciência Política, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPR e bolsista Capes. Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE) e do Grupo de Pesquisa Discurso, Comunicação e Democracia (DISCORD).
**Texto discutido em reunião do PONTE. Para conhecer outras referências selecionadas pelo Grupo, acesse a aba LEITURAS.
As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.