Sobre o papel das pesquisas de opinião pública para a democracia
Por Joana Carolina Zuqui*
No artigo “O papel das pesquisas de opinião pública na consolidação da democracia”, Fabián Antonio Echegaray busca demonstrar a importância dessas pesquisas para os processos de democratização das nações, em especial dos países latino-americanos que experienciaram, ao longo do século XX, governos ditatoriais.
Fabián é bacharel em Ciência Política pela Universidad Del Salvador, Mestre em Opinião Pública pela University of Connecticut e Doutor em Ciência Política pela mesma instituição, além de ter realizado uma especialização em Psicologia Social pela PUC –SP**
De antemão, o autor estabelece que “quanto mais comuns tornam-se instituições democráticas, mais intensa é a presença das pesquisas de opinião” (p. 60). Também preliminarmente, Echegaray esclarece que o papel das pesquisas de opinião, desde que estas surgiram, é visto de duas maneiras distintas: a primeira, positiva, como percebia George Gallup, “para quem as pesquisas contribuíram para um governo mais democrático, eficiente e responsável” (p. 61) e a segunda, negativa, como observou Walter Lippman, “para quem o público estava ausente na elaboração de opiniões genuínas e com consequências políticas” (61).
Aqueles que enxergam as pesquisas como positivas alegam que elas contribuem para “aproximar os interesses e opiniões de representados e representantes” (p. 61) bem como estimulam a fiscalização pública do poder, além de oferecer um espaço para que os eleitores, após o término do período eleitoral, expressem o que pensam sobre o governo, assim oportunizando um aumento “da qualidade de informação sobre a qual são tomadas decisões de governo” (p. 61).
Em contrapartida, o lado negativo das pesquisas coloca que elas distorcem “o espírito de representação das instituições democráticas ao tornar trivial o papel das eleições e promover uma liderança irresponsiva” (p. 62). De acordo com seus críticos, as pesquisas de opinião são apenas uma caricatura do que os cidadãos acreditam, visto que “ignoram a verdadeira dinâmica de formação e mudança de opinião, minimizando as influências dos líderes, da mídia e dos grupos de interesses na construção de respostas por parte da população” (p. 62).
Sob este ponto de vista, os cidadãos têm a ilusão de que possuem o poder de opinião quando, em verdade, este continua sendo controlado pela elite. Citando o livro “The captive public: how mass opinion promotes state power” (no qual o autor, Benjamin Ginsberg, postula que os resultados das pesquisas de opinião fortalecem o Estado, escrevendo que seja em um governo democrático ou totalitário, as pesquisas de opinião pública têm o mesmo fim: controlar uma população com o potencial de perturbar a ordem pública), Echegaray coloca que “a consequência disso é reduzir a opinião pública cidadã a um participante de enquetes políticas passivo e domesticado, cujas opiniões são previamente limitadas em função das opções de respostas pré-estabelecidas pelas elites” (p. 62). Ou seja, as pesquisas, a partir das opções que dispõem, acabam inconscientemente moldando as opiniões dos entrevistados para espelhar o que as elites pretendem.
Ademais, não há apenas a problemática das pesquisas de opinião de si, mas também a questão da mídia, que “trocou seu compromisso original de aprofundar a opinião pública baseada na divulgação de resultados sobre assuntos relevantes, pela banalização da própria opinião através de pesquisar tópicos marginais ou ficar apenas na superfície das respostas” (p. 62), segundo clamam alguns autores. Ilustrando essa ideia, o artigo exemplifica que
“a mídia tende a inventar assuntos considerados capazes de atrair a atenção do público e dos anunciantes, estimulando um círculo no qual ela paga por pesquisas feitas sobre tópicos selecionados, para depois divulgar seus resultados como se fossem eventos do mundo real e, assim, forçar a entrada destes na agenda de interesse público” (p. 62)
Isto significa que o tópico de debate público não é proveniente do público em relação a si mesmo, mas sim do que a imprensa quer que o público debata, mais uma vez moldando a opinião destes de acordo com seus interesses.
O autor ainda elenca os aspectos relevantes para as análises das pesquisas de opinião pública: a) como as elites entendem e dão sentido ao significado e à informação fornecidos pelas pesquisas, b) o grau de legitimidade política (isto é, neutralidade) com o qual as pesquisas são percebidas, c) a medida na qual a mídia nacional é livre, plural e tem um interesse ativo em tornar-se um espaço de difusão da opinião pública, d) como as noções populares sobre democracia concebem o papel do próprio público (se substantivo ou irrelevante) e o grau de cinismo ou confiança que subjaz às atitudes das pessoas com respeito aos veículos de expressão públicos e privados (incluindo aí a mídia e as pesquisas).
Com base nestes aspectos, Echegaray mostra como “organizar a discussão sobre o papel político das pesquisas de opinião pública, examinando o efeito que elas têm” (p. 63).
As pesquisas de opinião pública influenciam a representação política da sociedade, ou seja, elas podem colaborar com uma comunicação mais efetiva entre as elites e as massas, favorecendo o aprendizado – por parte das elites – sobre as “oportunidades para construção de consensos e acordos de governabilidade, para moldar um debate mais educado sobre políticas específicas, para fazer a agenda política mais permeável a novas demandas e assuntos” (p. 63) além de propiciar um contato maior entre o que os cidadãos querem e o que os líderes decidem. As pesquisas também fortalecem as instituições democráticas e promovem liberalização política, previnem fraudes, esmaecem os apoios à golpes que podem ocorrer dentro das democracias, diminuem o coronelismo e o clientelismo e incentivam a transparência partidária e a pluralização, por conseguinte expandindo as iniciativas e expressões organizadas dos cidadãos e da sociedade civil. Um exemplo são as pesquisas mostrando o descontentamento dos brasileiros com o comportamento do presidente Fernando Collor de Mello, favorecendo os protestos organizados pelo povo que culminaram com o impeachment de Collor em 1992.
Além dos usos supracitados, as pesquisas de opinião podem ter fins pedagógicos ou terapêuticos, como apontou o Instituto Universitário da Opinião Pública da Universidade Católica de El Salvador:
Numa nação onde as forças políticas justificaram contínuos atos de violência e a substituição de governos eleitos por ditaduras, sob a desculpa da falta de opções legítimas e a facilidade com que a população era enganada ou corrompida, o fato das pesquisas indicarem uma confiança majoritária nas virtudes da democracia, a paz e a autonomia nacional teve um efeito reparador fundamental (p. 67).
Todavia, Echegaray alerta como as pesquisas de opinião podem ser utilizadas para fins antidemocráticos, como aconteceu no Peru em 1992: Alberto Fujimori justificou seu auto-golpe – em que fechou todas as instituições com exceção do Executivo – alegando que era o que os cidadãos queriam, tendo em vista os resultados das pesquisas.
O artigo é completo e explicativo, expondo tanto as contribuições positivas quanto as negativas que decorrem da aplicação e divulgação de pesquisas de opinião. O autor utiliza uma linguagem clara, é conciso e emprega diversos exemplos que facilitam a compreensão do leitor. Durante a leitura, lembrei de uma matéria do BBC publicada em outubro de 2018 (a poucos dias do primeiro turno das eleições) mostrando o resultado de uma pesquisa do Ibope, em que os eleitores responderam a seguinte pergunta: “Quais destas fontes de informação são as três principais que o(a) sr(a) leva em conta para decidir o seu voto?”. Os resultados revelaram que as principais fontes são, respectivamente, a televisão, os debates e as conversas com amigos e familiares, enquanto as pesquisas ocupavam o décimo lugar. Mas, como aludido no artigo e mencionado na matéria da BBC, as pesquisas podem colaborar com a propaganda dos candidatos que optem por fazer campanhas de voto útil e estratégico.
REFERÊNCIA PRINCIPAL
ECHEGARAY, F. O papel das pesquisas de opinião pública na consolidação da democracia. Opinião Pública, Campinas, v.7, n.1, p. 60-74, 2001.
REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
ALVIM, M.. Eleições 2018: Como as pesquisas eleitorais influenciam a decisão do voto? BBC News Brasil, 2018.
WEISSBERG, R. The Captive Public: How Mass Opinion Promotes State Power, by Benjamin Ginsberg. American Political Science Review, Cambridge University Press, v. 81, n. 2, p. 611-612, jun. 1987.
* Joana é acadêmica de Ciências Sociais (com ênfase em Sociologia) pela Universidade Federal do Paraná. Participa do PIBIC, pesquisando o envelhecimento populacional no Brasil e as políticas públicas voltadas para idosos e atua como embaixadora do Clube de Saúde Planetária do IEA/USP.
** Foi professor visitante da Universidade Federal de Santa Catarina (atuando no Departamento de Psicologia) e da Universidade do Vale do Itajaí, como professor do Departamento de Ciência Política. Desde o ano 2000, Echegaray é diretor geral da Market Analysis Brasil, companhia especializada em sustentabilidade empresarial e pesquisas ad hoc com consumidores, e entre 2006 e 2009 foi também consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento do México e da Argentina. Seu principal campo de pesquisa (dentro da área da Ciência Política) é o de Atitudes e Ideologias Políticas, trabalhando temas tais como: voto econômico, comportamento eleitoral, cultura política, consumo responsável e sustentabilidade empresarial.
As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.