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Dissertação examinou a corrupção política na opinião da Folha de S.Paulo

Por Ester Athanásio*

As particularidades oferecidas pelo gênero jornalístico “editorial” representam um objeto de estudo relevante para o campo do Jornalismo e, especialmente, para a interface estabelecida com a Política. Esse tipo de texto opinativo constitui espaço singular em que os jornais se posicionam explicitamente por meio de um código específico de produção textual, evidenciando, assim, sua condição de atores políticos. Essa condição torna esse tipo de investigação ainda mais interessante, tendo em vista que a adoção da parcialidade na esfera pública é algo sensível à deontologia profissional que envolve o Jornalismo profissional, sobretudo no cenário brasileiro que bebe de forte influência do modelo americano pautado na objetividade. Ao passo que se revela intrigante e, por vezes, paradoxal, a literatura na área de Jornalismo Político permite verificar que é relativamente baixo o número de estudos brasileiros voltados à análise sistemática do discurso político contido nos editoriais.

Partindo dessa noção, a dissertação “A corrupção política na opinião da empresa jornalística: um estudo dos editoriais da Folha de S.Paulo de 1990 a 2016”, de cunho quanti-qualitativo, investiga empiricamente o discurso editorial do jornal no período que corresponde aos primeiros 27 anos desde a primeira eleição presidencial direta após o fim do Regime Militar (1964 – 1985). A intenção é examinar o percurso dos editoriais sobre esse tema e contribuir para compreensão acerca de quais fatores incidem na produção do gênero editorial. Há três hipóteses, resumidas em: 1) o discurso de combate à corrupção e exigência de responsabilização dos envolvidos é predominante e se acentuou à medida que a fiscalização se fortaleceu; 2) o discurso varia de acordo com a época e grupo político acusado e 3) a corrupção é um tema contínuo da agenda editorial da Folha de S. Paulo, mas a frequência de publicações aumenta em sintonia com as ocorrências históricas expressivas.

O recorte adotado exige uma discussão interseccional com outras áreas do saber. Por isso, o trabalho apresenta discussões teóricas sobre o fenômeno da corrupção sob o ponto de vista jurídico, da ciência política e ainda de pesquisas anteriores de Comunicação que tratam do enquadramento predominante encontrado na imprensa brasileira a respeito desses escândalos. Tendo em vista a tensa relação entre o código de ética do Jornalismo, as características opinativas do editorial e a sensibilidade do tema incluso na perspectiva de política partidária, o trabalho investe tempo em refletir sobre a literatura que classifica as empresas de comunicação como atores políticos − para além de meros instrumentos neutros; e tensiona os limites entre o discurso idealista que legitima a prática jornalística e as relações de interesse que essas empresas estabelecem com o campo político e econômico.

Como estratégia metodológica, adota-se, de forma ilustrativa, (1) uma descrição quantitativa concernente à oscilação da frequência de publicações considerando-se todo o volume de editoriais do universo pesquisado (n=850) a fim de avaliar se, e em que medida, existe associação entre o número de publicações e os acontecimentos históricos do período. Na etapa qualitativa, recorre-se à (2) Análise do Discurso (AD) de uma amostra de editoriais (n=143), construída a partir da técnica de ano composto, tendo como unidade de análise os editoriais que mencionam a palavra “corrupção” e, como estratégia metodológica complementar, a dissertação recorreu à (3) aplicação de entrevistas em profundidade com editorialistas e editores de opinião que trabalharam no jornal no período analisado.

Os resultados encontrados confirmam as hipóteses, demonstrando que desde 1990 o jornal acentuou quantitativamente a presença do tema “corrupção” em seus editoriais, acompanhando a agenda de investigações do país. Qualitativamente, constata-se a trajetória do discurso, sendo que nos anos 1990, além de menor frequência de textos, percebeu-se que o jornal tratava do tema com certo receio, considerando o relativo baixo volume de denúncias e condenações à época. Nos anos 2000, sobretudo em razão do caso Mensalão, o discurso se acentua em volume e grau de combatividade. O jornal adota tom mais agressivo e reitera a preocupação com altos índices de percepção da corrupção brasileira e ausência de punições. Na década de 2010, com o julgamento do caso que dominou a década anterior e deflagração da Operação Lava Jato, o jornal passa a considerar o tema a partir de um ponto de virada, apontando a punição – vista no Mensalão e na Lava Jato – como prova de que o Brasil viveria um novo momento de enfrentamento do problema.

Notou-se que a evolução do discurso acompanha o contexto histórico e político, contudo, não se altera em sua essência. Isto é, existem premissas a respeito da corrupção que se revelam constantes nos 27 anos analisados. Embora se proponham instrumentos de combate ao fenômeno, os textos não ultrapassam a barreira da constatação e do apontamento raso de possíveis causas, consequências e soluções ao problema. É um discurso automático, que situa o jornal numa perspectiva adversária à política, desqualificando-a enquanto articula a credibilidade e a imagem pública do jornal e do próprio campo jornalístico. A investigação conclui que esse espaço está mais dedicado a fortalecer a própria imagem pública do periódico, articulando consensos de interesse público sem, contudo, adotar uma posição mais enfática ou aprofundada sobre o tema. Não há provocações ou propostas concretas para se atacar o problema de forma sistemática ou para além do trivial.

* Ester Athanásio é Jornalista, Mestre em Comunicação e Doutoranda em Políticas Públicas pela UFPR. Fundadora da DePropósito Comunicação de Causas. É fellow do Young Leader of Americas Iniciative (YLAI), programa de intercâmbio profissional do Departamento de Estado Americano, membro do Global Shapers Brazil, hub ligado ao Fórum Econômico Mundial, fellow da Academia Amazônia Ensina. Jornalismo político, democracia e liberdade de imprensa estão entre seus temas de pesquisa.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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