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De Seymour-Ure (1974) a Hallin e Mancini (2004): uma breve discussão sobre sistemas de mídia

Por Daniel Kei Namise*

O conceito de sistemas de mídia não é nenhuma novidade no campo da comunicação política. Presente há anos na literatura referente a área, ele tem se mostrado uma importante ferramenta para as análises comparativas de conjuntos de instituições e normas midiáticas de localidades distintas. Parte disso é em decorrência do fato que desde que o campo da Comunicação se consolidou, pesquisadores têm buscado analisar os aspectos da mídia em contextos culturais e sociais diversificados − em específico, como se dá a relação entre política e mídia.

Parte-se da premissa de que a imprensa é moldada de acordo com o sistema social em que está inserida (SIEBERT et al., 1956), refletindo a organização social vigente. Autores que se dedicaram a essa linha de pesquisa buscaram averiguar que variáveis seriam eficazes para se analisar a relação entre a política e mídia. Dentre os trabalhos mais referenciados, tem-se o de Seymour-Ure (1974) e de Hallin e Mancini (2004). Este pequeno artigo busca discutir brevemente as análises feitas por esses pesquisadores, apontando as similaridades e divergências entre eles.

Seymour-Ure (1974), em sua obra seminal, não buscou criar uma tipologia para os sistemas de mídia, mas sim estudar as conexões existentes entre os sistemas de imprensa e partidário. Para esse tipo de relação, o autor deu o nome de paralelismo partidário, que indicaria “um processo de convergência de organização, objetivos, perspectivas e bases de apoio/audiência entre um dado jornal e partidos políticos” (ALBUQUERQUE, 2013, p. 743). Seymour-Ure (1974) considera que essa relação não seria mera casualidade, mas estaria ligada as características apresentadas por esses dois elementos em determinado cenário. Ao analisa-las seria possível avaliar que tipo de relação existe entre eles.

Ele divide as características em dois grupos distintos, um ligado exclusivamente ao sistema impresso e outro exclusivo ao partidário. Dentre o primeiro conjunto seria necessário avaliar: 1) a Cultura Política em que determinado jornal está inserido, de modo a observar seu papel político e as possíveis interferências governamentais sobre ele; 2) Fatores Estruturais que seria um agrupamento de diferentes fatores que dizem respeito a concorrência entre variados tipos de mídias, a centralidade de alguns jornais, diferenças culturais e o público alvo dos impressos; e por último temos 3) Fatores Econômicos que estão mais ligados a aspectos econômicos de um país e seu grau de industrialização, pois isso teria impactos diretos na qualidade e circulação de um impresso.

Já em relação as características apresentadas pelo sistema partidário, é possível realizar uma análise em dois níveis diferentes (ALBUQUERQUE, 2013). O primeiro está ligado às características apresentadas pelos sistemas políticos. De acordo com Seymour-Ure (1974) seria necessário avaliar o número de partidos e a força que possuem dentro de um sistema.

Já o segundo nível está ligado diretamente as características individuais de cada partido, sendo elas: 1) os objetivos e ideologias de um partido que afetariam a lealdade de um determinado jornal de acordo com as metas e ideais propagadas ele, nesse caso é possível que haja jornais que hajam de forma totalmente independente; 2) as bases sociais de apoio que medem o grau em que os leitores de um jornal também são apoiadores de um determinado partido; 3) as estrutura partidárias que tem relação direta com o modo como partidos e imprensa se relacionam; o último elemento a ser analisado nesse nível é 4) o peso que um partido tem em um sistema político, ou seja, a importância que um determinado partido possui ao realizar as mesmas funções do que os seus adversários.

A partir da análise dessas determinadas características seria possível determinar o grau de paralelismo existente entre um partido e um sistema impresso. A conexão mais evidente seria a “administração de um jornal por um partido. Do outro lado seria a inexistência de conexão alguma, mas existem muitas possibilidades entre esses dois extremos” (ARTERO, 2015, p.3). Embora essa classificação ainda seja rudimentar e longe de proporcionar uma tipologia de sistemas de mídias, os conceitos trabalhados por Seymour-Ure (1974) se mostraram essenciais para o desenvolvimento das pesquisas envolvendo essa temática.

“Muitas análises comparativas subsequentes surgiram ligadas à teoria da modernização para reforçar o entendimento a respeito da sistematização de modelos de jornalismo” (BATISTA, 2018, p.17), o que resultou no trabalho mais referenciado atualmente nos estudos sobre sistemas de mídia, que é o livro “Comparing Media Systems: Three Models of Media and Politics”. Escrito por Hallin e Mancini, em 2004, essa obra propõe uma nova tipologia e novos parâmetros para comparação de modelos de sistema ocidentais.

Dimensões de análise em Hallin e Mancini

A partir do estudo de um número limitado de casos, a dupla de autores propôs um modelo comparativo baseado em quatro dimensões de análise, que uma vez utilizados apresentariam determinados padrões de interação que possibilitaria a classificação de um dado sistema de mídia. A primeira das dimensões é a estrutura de mercado. Hallin e Mancini (2004) apontam que uma das diferenças primordiais entre os sistemas de mídia está relacionada com o desenvolvimento da imprensa de circulação de massa. Os autores argumentam que, além de se avaliar o número de tiragens, é necessário também observar a “natureza dos periódicos, sua relação com a audiência e seu papel no processo mais amplo de comunicação e de política” (HALLIN, MANCINI, 2004, p. 22).

Há outras variáveis que a dupla também considera importantes. Eles argumentam que a presença de uma forte imprensa de circulação em massa, seja ela em nível local, regional ou nacional, tem influência direta no papel da mídia como uma instituição política (BATISTA, 2018). Outros aspectos como financiamento, grau de alfabetização da população, e o público alvo também seriam aspectos importantes a serem estudados.

A segunda dimensão é a do paralelismo político. A dupla se baseia no conceito desenvolvido por Seymour-Ure (1974), mas avalia que a conexão entre mídia e partidos seria incomum na atualidade, de modo que ao invés de se associarem diretamente com partidos, os veículos de comunicação se aproximam de tendências políticas no geral ou a um grupo político. De acordo com os autores, existem vários componentes e indicadores que averiguam o grau de paralelismo em um sistema. Eles seriam: a conexão organizacional entre mídia e organizações políticas; a tendência de membros da mídia possuírem uma vida política ativa; a participação do público dentro do sistema de mídia; e orientação das práticas jornalísticas, que podem ter viés opinativo ou informativo.

A mídia pode lidar de duas formas distintas com essa diversidade política existente. Através de um pluralismo externo, onde os meios jornalísticos refletem individualmente os diferentes pontos de vista da sociedade, o que leva a um paralelismo político forte, ou de forma interna, onde um único veículo busca manter certa “neutralidade” e balanceia seu conteúdo.

A terceira é a da profissionalização. É preciso entender que o conceito de profissionalização está ligado a uma noção liberal do termo, dessa forma uma profissão seria toda atividade “baseada em conhecimento sistemático ou doutrina adquirida somente através de uma longa formação prescrita” (WILENSKY, 1964 apud HALLIN; MANCINI, 2004). No caso do jornalismo, Hallin e Mancini (2004) apontam que existem empecilhos que impedem de se afirmar que o jornalismo pode ser compreendido como uma profissão.

A princípio é preciso entender a questão do “conhecimento sistemático”.  Traquina (1999) destaca que a profissionalização da atividade jornalística garante o controle da conduta dos jornalistas, a partir do estabelecimento de um padrão de normas e comportamentos. Contudo, a base sistemática do conhecimento jornalístico está ligada a outras áreas do saber, o que não configuraria como um conhecimento específico, como é o caso da medicina, engenharia ou direito.

Em contrapartida, existe um treinamento “profissional” para se tornar um profissional da área, onde o aspirante a jornalista aprende técnicas e as normas de conduta da prática. Ao mesmo tempo, esse treinamento “desempenha um papel importante na definição do jornalismo como ocupação e instituição social” (BATISTA, 2018, p. 23). Contudo, essa preparação para se praticar jornalismo não é uma obrigatoriedade no ramo. Por exemplo, muitos países não exigem que profissionais da mídia possuam diplomas para exercer alguma função jornalística, e isso não significa que a qualidade das produções jornalística seja menor.

Então, Hallin e Mancini (2004) elencam algumas variáveis presentes na dimensão do profissionalismo jornalístico para estabelecer seu modelo comparativo. Elas seriam: a autonomia que os jornalistas possuem em uma determinada organização midiática; as distintas normas profissionais que regem a prática jornalística; e orientação do papel social do jornalismo.

A última dimensão é referente ao papel do Estado, que diz respeito a capacidade de intervenção e regulamentação do Estado nos sistemas de mídia. Essa participação do Estado pode variar em maior ou menor grau e dependem da realidade de cada país analisado, mas “refletem diferentes graus e formas de paralelismo político” (BATISTA, 2018, p. 21). De acordo com o Hallin e Mancini (2004), isso pode ser feito através do controle da rede de transmissão televisiva, criação de agências de notícias, jornais governamentais, ou formulação de leis que intervenham na atividade jornalística.

Os autores apontam que uma dimensão pode influenciar a outra, de modo que elas não podem ser analisadas de forma totalmente isoladas. Eles citam o caso de como paralelismo político pode afetar o grau de profissionalização do jornalismo em um sistema midiático. Em algumas situações pode ocorrer a instrumentalização da mídia, ou seja, ela é influenciada por atores externos, como partidos políticos, que a utilizam para intervir no sistema político. Quando isso acontece, os níveis de profissionalização se tornam baixo, pois perde-se a autonomia, fazendo com que a mídia sirva a interesses exclusivamente privados.

Semelhanças e divergências

Após a sintetização dos principais pontos apresentados por Seymour-Ure (1974) e Hallin e Mancini (2004), é possível discorrer sobre as semelhanças e divergências sobre os trabalhos desses autores. Um ponto interessante a se avaliar é que, embora separados por três décadas, ambos os ensaios demonstram que alguns elementos apresentados pelos sistemas midiáticos continuam significativos para a análise comparativa, mesmo que recebam nomenclaturas diferentes em cada caso. Um exemplo disso é a dimensão estrutura do mercado midiático que reúne parte das mesmas variáveis presentes nas características do sistema de imprensa de Seymour-Ure (1974). Uma explicação para isso é que as variáveis apontadas nessas duas obras representariam estruturas básicas presentes em qualquer sistema de mídia (ECHEVERRÍA et al. 2021; VOLTMER, 2012).

Uma divergência significativa entre esses dois trabalhos é o papel dos jornalistas e dos veículos noticiosos nos sistemas de mídias. Hallin e Mancini (2005) deixam evidente que, por mais que jornais possam de forma consciente optar por um paralelismo político ou uma maior neutralidade, e venham a sofrer interferências externas, o papel que o jornalista possui em todo processo jornalístico também deve ser levado em consideração. Já Seymour-Ure (1974) desconsiderar isso e foca exclusivamente na interferência externa como principal causa para que ocorra um paralelismo entre os sistemas midiático e político.

É preciso ressaltar que ambos ensaios possuem problemas semelhantes. O mais visível deles é uma desatualização teórica (ALBUQUERQUE, 2018; CURRAN, 2011; NORRIS 2009). Seymour-Ure (1974) omite de forma explícita o papel do rádio e televisão e foca exclusivamente na dos jornais, enquanto Hallin e Mancini ignoram os efeitos das mídias digitais nos sistemas midiáticos. No primeiro caso não há uma explicação exata para o porquê de o autor ter feito isso, enquanto no segundo, a dupla defende que havia uma escassez referencial teórica sobre o tema quando a obra foi escrita (HALLIN; MANCINI, 2017).

Por fim, mesmo que haja essas ressalvas sobre o trabalho de ambos os autores, os ensaios de Seymour-Ure (1974) e Hallin e Mancini (2004) são importantes para o estudo dos sistemas de mídia, pois eles servem de base para compreender melhor as características e o modo como se dá a relação entre política e mídia. Embora sejam trabalhos datados, eles continuam a influenciar as pesquisas sobre essa temática, pois partem da premissa fundamental que os “sistemas de mídias são integrados em amplos sistemas sociais, e a análise dos sistemas de mídia geralmente giram em torno de compreender sua relação com outras estruturas sociais” (HALLIN, 2015, p. 10).

REFRÊNCIAS PRINCIPAIS

HALLIN, D., & MANCINI, P. Comparing Media Systems: three models of media and politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

SEYMOUR-URE, C. The Political Impact of Mass Media. London, U.K.: Constable, 1974.

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

ALBUQUERQUE, A. As fake News e o Ministério da Verdade. Eptic, v. 21, n.1, 2021.

ALBUQUERQUE, Afonso. Media/politics connections: Beyond political parallelism. Media, Culture & Society, v. 35, p. 742-758, 2013.

ALBUQUERQUE, Afonso. Political Parallelism. In: Oxford Research Encyclopedia of Communication, 2018.

ARTERO, Juan. Political Parallelism and Media Coalitions in Western Europe, 2015.

BATISTA, Giulianne Bezerra. A retomada do jornalismo de opinião na imprensa brasileira: o caso da FOLHA DE S. PAULO (1989-2018). 2018. 104f. – Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Instituto de Cultura e Arte, Pós-graduação em Comunicação, Fortaleza (CE), 2018.

HALLIN, Daniel C. Media System. In: The international encyclopedia of Political Communication. John Wiley & Sons, 2015.

HALLIN, D., & MANCINI, P. (2017). Ten years after comparing media systems: What have we learned?. Political Communication, v. 34, n. 2, p. 155-171, 2017.

NORRIS, P. Comparative Political Communications: Common Frameworks or Babelian Confusion? Government and Opposition, v. 44, n. 3, p. 321-340, 2009.

SIEBERT, Fred et al. Four theories of the press: The authoritarian, libertarian, social responsibility, and Soviet communist concepts of what the press should be and do. University of Illinois press, 1956.

VOLTMER, K. How Far Can Media Systems Travel? In D. Hallin & P. Mancini (Eds.), Comparing Media Systems Beyond the Western Worl. Cambridge: Cambridge University Press, p. 224-245, 2012.

* Daniel Kei Namise é mestrando em comunicação política pela Universidade Federal do Paraná e participante do Grupo de Pesquisa Comunicação e Participação Política (Compa). Contato: daniel.namise@gmail.com

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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