Além da Europa-Ocidental: como Guerrero caracteriza os sistemas políticos e midiáticos da América Latina?
Por Sarah Dantas*
As discussões voltadas para sistemas de mídia têm alcançado uma dimensão considerável no decorrer dos últimos anos. Compreender o modo como se desenvolvem, se estruturam e operam, contribui para delinear e situar os sistemas de mídia de cada localidade. É a partir dessa sistematização que interpretamos a atuação midiática, sobretudo jornalística, nos mais diversos espaços geográficos, visto que há culturas distintas que interferem significativamente no campo midiático, político e econômico.
A temática sobre Sistemas de Mídia é abordada nos estudos científicos das áreas de Comunicação Política desde 1950 (SEYMOUR-URE, 1974; BLUMLER; GUREVITCH, 1995; HALLIN; MANCINI, 2004). Contudo, na medida em que as primeiras discussões acerca do tema foram progredindo no âmbito cientifico, diversos pesquisadores se dedicaram à exploração e expansão das discussões para além da Europa-Ocidental. Autores (ALBUQUERQUE, 2012; VOLTMER, 2012; McCARGO, 2012; CHAKRAVARTTY; ROY, 2013; GUERRERO, 2014) caminharam na direção de sistematizar e pontuar as semelhanças ou, em grande parte, disparidades, entre o modelo de estudo sugerido por Hallin e Mancini (2004), que está em torno de 18 países ocidentais.
Guerrero (2014), cientista político e professor da Universidade Iberoamericana, no México, é um dos autores e principais partidários da descentralização dos estudos sobre sistemas de mídia. Ele é autor do texto “The ‘Captured Liberal’ Model of Media Systems in Latin America”, que é um dos capítulos do livro Media Systems and communication policies in Latin America, publicado em 2014.
O pesquisador traz um panorama sobre sistemas de mídia inseridos na América Latina e propõe novas dimensões e modelos, por meio dos aspectos da mídia latino-americana, além dos estabelecidos a partir do estudo dos grupos de mídia presentes no ocidente (HALLIN; MANCINI, 2004). Guerrero (2014) explica que os modelos propostos por Hallin e Mancini (2004) não abarcam outros sistemas, embora, segundo o autor, os sistemas da América Latina compartilhem algumas características do terceiro modelo estabelecido por Hallin e Mancini (2004) – Pluralista Polarizado.
Desse modo, Guerrero (2014) apresenta três aspectos dos sistemas políticos que delineiam os sistemas midiáticos: 1) Grau de proximidade entre os novos políticos governantes e grupos de mídia tradicionais – nesse aspecto o autor exemplifica que durante governos autoritários alguns grupos midiáticos eram perseguidos pelos governantes e grupos que favoreciam o governo eram consolidados. No entanto, mesmo após a política pós-transitória, os novos grupos políticos criaram relações diretas e indiretas com grupos de mídia já estabelecidos, sendo favoráveis aos dois grupos; 2) Clientelismo histórico – A prática de clientelismo é também uma das características nos sistemas políticos e midiáticos da América latina, o que interfere no marco regulatório democrático e plural dos sistemas de mídia; 3) Desregulamentação e reformas de mercado – o processo de transição de regimes prevaleceu a presença de reformas liberais, entretanto, ao invés de promover o pluralismo, expandiu e promoveu certos grupos midiáticos, como por exemplo, Grupo Globo, no Brasil; Grupo Clarin, na Argentina, dentre outros. A construção de um sistema oligopolista e voltado ao clientelismo prejudica a efetivação da regulamentação do exercício de mídia.
Por meio desse cenário, Guerrero (2014) afirma que há algumas consequências para os sistemas midiáticos, com destaque para dois aspectos centrais: 1) baixa qualidade da eficiência regulatória; e 2) alta interferência na mídia. Nesse contexto de política pós-transitória, que se encaminhou para uma agenda política e econômica liberal nos países da América Latina, a falta de regulamentação provocou a consolidação e concentração de poucos sistemas no mercado de mídia, principalmente, sob domínio de grupos políticos, econômicos e religiosos.
Com isso, os atores políticos interferem no exercício profissional dos jornalistas e seu papel de vigilante na sociedade democráticas. Esses constrangimentos vão desde a falta de recursos para o desempenho da atividade e dificuldades nas pesquisas no jornalismo investigativo.
Diante desse cenário, Guerrero (2014) propõe que, além dos três modelos estabelecidos por Hallin e Mancini (2004), exista mais um, que englobe os aspectos e características dos sistemas midiáticos latino-americanos, o modelo liberal capturado. Conforme explica o pesquisador, pode ser considerado liberal, pois, em geral esses sistemas mantém as formalidades dos sistemas comerciais e capturado, pelo desenvolvimento tardio da imprensa nesses países e suas relações, mesmo que formais ou informais, com o Estado e grupos econômicos-políticos.
A discussão do texto traz novas perspectivas acerca dos estudos de sistemas de mídia, pois retrata os aspectos dos sistemas latino-americanos, explorando características além da Europa-Ocidental. Contudo, embora se reconheça um esforço em indicar características dos grupos midiáticos da América Latina, é necessário ressaltar uma certa omissão quando se trata de reforçar, de modo pontual, que mesmo esses países possuem divergências em alguns aspectos, como assinalado por Pimentel e Marques (2021), a exemplo de quando salientam que o Brasil possui distinções dos demais do próprio continente. McCargo (2012) defende a ideia de divergência nos sistemas de mídia ao analisar a mídia asiática, o que pode ser considerado também nos demais estudos.
Além disso, percebe-se que Guerrero (2014) apresenta os conglomerados de modo geral, sem ao menos pincelar o desenvolvimento e atuação do imprenso, rádio e TV dentro de cada cenário. A partir de uma perspectiva geral, interessa observar, tanto em níveis nacionais como regionais, de que maneira se apresentam as relações políticas nas esferas midiáticas partindo de suportes impressos, em que se concentram a maioria das pesquisas sobre sistemas de mídia.
De toda forma, o trabalho traz uma grande contribuição nas pesquisas de sistemas de mídia, contribuindo para o entendimento gradativo da pluralidade nos cenários políticos e midiáticos. A discussão de Guerrero (2014) é central para desocidentalizar os estudos sobre sistemas de mídia, a fim de que avancem as investigações em outras localidades.
REFERÊNCIA PRINCIPAL
GUERRERO, Manuel Alejandro. The ‘Captured Liberal’ Model of Media Systems in Latin America. In: Media systems and communication policies in Latin America. GUERRERO, Manuel Alejandro; MÁRQUEZ-RAMÍREZ, Mireya. Springer: Palgrave Macmillan UK, 2014, p. 43-65.
REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES
ALBUQUERQUE, Afonso. On Models and Margins. In: HALLIN, Daniel; MANCINI, Paolo. (Org.). Comparing Media Systems Beyond Western World. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 72-95.
CHAKRAVARTTY, Paula; SRIRUPA, Roy. Media pluralism redux: Towards new frameworks of comparative media studies “beyond the West”. Political Communication, v. 30, n. 3, 2013, p. 349-370.
HALLIN, Daniel C; MANCINI, Paolo. Comparing media systems: three models of media and politics. New York: Cambridge University Press, 2004.
McCARGO, Duncan. Partisan polyvalence: Characterizing the political role of Asian media. In: Comparing Media Systems Beyond Western World. HALLIN, Daniel; MANCINI, Paolo. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 201–223.
VOLTMER, Katrin. How Far Can Media Systems Travel? Applying Hallin and Mancini’s Comparative Framework Outside the Western World. In: Comparing Media Systems Beyond Western World. HALLIN, Daniel; MANCINI, Paolo. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 224–245.
* Sarah Dantas é Mestre em Comunicação pela UFMA (Universidade Federal do Maranhão) e graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela mesma instituiçãoE-mail: s.dantassarah@gmail.com
As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.