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Política de coalizão no cenário brasileiro

Por Michael Venâncio da Silva*

O Poder Executivo, para desempenhar uma governabilidade eficaz, necessita levar em conta a sua base de apoio no Congresso Nacional, ou seja, os atores políticos que serão membros da coalizão do Governo Federal. Formar uma boa coalizão é imprescindível para se alcançar determinadas metas da agenda política de um dado governo.

Frederico Bertholini e Carlos Pereira, em um escrito pela FGV/EBAPE, fazem um estudo sobre o tema. O artigo dos autores (2017) visa uma análise do presidencialismo multipartidário no Brasil através de métodos econométricos nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e no primeiro de Dilma Rousseff, tendo em vista o importante papel da figura do presidente na política de coalizão e o peso de instituições democráticas que necessariamente dialogam com a esfera do Executivo.

Frequentemente, como no caso brasileiro multipartidário, o presidente eleito acaba tendo minoria nas cadeiras do Legislativo como condição de seu partido ou coligação eleitoral. Neste cenário, cabe ao Executivo adotar medidas que visam a montagem das coalizões, levando em conta quais partidos e quantos farão parte da coalização, bem como a afinidade política ideológica e a quantidade de recursos e poder distribuídos a eles.

No caso de governos minoritários, é imprescindível uma coalizão sólida e grande o bastante, mas ela gira em torno de interesses que visam oportunidades de realização de determinadas políticas e de esperados ganhos eleitorais, o que está diretamente ligado ao orçamento dos ministérios (BERTHOLINI; PEREIRA, 2017).

Um fator de relevância é a orientação ideológica na coalizão, pois ela conta quando a formação unidimensional dos partidos está pautada na preferência do presidente para implementar a sua política. Uma base de apoio com este alinhamento é mais fácil de ser criada e mantida. Assim, a distância ideológica sendo a menor possível, minimiza a ocorrência de conflitos de interesse, havendo maiores distribuições de recompensas entre os membros (BERTHOLINI; PEREIRA, 2017).

No entanto, há diversas variáveis teóricas envolvidas no processo de coalizão dos partidos para uma governabilidade estável, porque gerir coalizões, exige do Executivo custos de diferentes ordens. Uma grande coalizão entre vários partidos demanda mais recursos para sustentá-la ao longo do tempo, se houver grandes diferenças ideológicas entre os membros, além de mais custosas, dificilmente serão fáceis de gerir e coordenar, e se for desproporcional a recompensa entre os membros, a presidência terá que dispor de recursos adicionais para satisfazer os demais que serão sub-recompensados (BERTHOLINI; PEREIRA, 2017).

Bertholini e Pereira ressaltam que elas não são eternas e fechadas, a presidência pode gerenciar como puder, considerando seus custos e benefícios, visando a eficiência da coalizão para sua política, porém há choques externos e internos que impactam na estabilidade da coalizão. Fatores como crises econômicas, inflação, desemprego, etc., vêm de fora do governo e podem influenciar o reposicionamento de forças políticas orientadas por uma tal perspectiva dentro do espectro, assim como fatores internos, incluindo corrupção e reformas ministeriais por exemplo, geram o mesmo problema mudando os parâmetros da coalizão. A influência desses acontecimentos propicia um novo panorama que mantém ou reconfigura o quadro de membros, e novos acordos são discutidos sob novas condições. Dessa maneira, o controle de distribuição de recursos será importante para garantir a manutenção de uma boa coalizão (2017).

Quanto maior for a fragmentação partidária da presidência no Congresso e menor for o número de cadeiras ocupadas pelo partido no Legislativo, haverá mais necessidade de se construir uma forte coalizão interpartidária, assim como também pode se dar o contrário e não haver tanta necessidade da construção de uma sólida coalizão (BERTHOLINI; PEREIRA, 2017).

Para demonstrar o estudo realizado, Bertholini e Pereira elaboraram no artigo algumas tabelas onde submetem as variáveis que influenciam na gestão da coalizão, obtendo dados de partilha do poder, do nível do espectro ideológico e os custos totais do governo, a fim de medir a eficiência das coalizões dos mandatos dos governos em análise. Conseguiram resultados que indicam, por exemplo, que as decisões tomadas acerca da gerência recaem diretamente sobre os custos, bem como a popularidade que também os exige para ser mantida, ou que há influência do resultado eleitoral nas estratégias, mas que não as decidem. Quanto à fragmentação partidária, não necessariamente há desproporção de recompensas na contribuição ao governo ou que ideologicamente são muitos distantes. No geral, as hipóteses levantadas pelos autores se comprovam empiricamente através do estudo realizado.

A conclusão é que nessa busca de suporte político em um ambiente fragmentado partidariamente, a presidência precisa concentrar poder político e ser constitucional, além de dispor de ferramentas e bens de troca discricionários, tendo o menor custo possível na conquista do apoio político. O Executivo deve saber fazer as escolhas de coalizão a partir de um pequeno número de partidos ideologicamente alinhados, levando em conta a dinâmica de mudança que ocorre no tempo com as variações internas e externas, mas compartilhando recursos e poderes proporcionalmente (BERTHOLINI; PEREIRA, 2017).

Ainda em cenários políticos onde há maioria e minoria partidária no Legislativo, os autores declaram que em teoria não há necessidade, no caso de maioria, de haver um grande número, pois a presidência possui proteção extra pela divisão constitucional ao Legislativo; quanto às coalizões minoritárias, relativamente desempenham um bom funcionamento, o que se tem observado em vários regimes, mas no Brasil há uma tendência de término antecipado de mandato nessas fracas coalizões, e quanto mais numerosa, maiores são os custos, bem como a maior heterogeneidade ideológica.

Observou-se que ela é um fator constante, pois pode afastar em demasia o partido de sua própria visão de mundo, o que implica em tensões conforme a divergência da ideologia.

Em um outro texto, agora somente de Carlos Pereira (2017), o autor aborda a gestão de coalizão de Temer na presidência. Ele investiga o porquê de sua gerência ser estável e de baixo custo, tendo em vista as acusações contra ele por obstrução de justiça e corrupção, bem como uma impopularidade entre o eleitorado e sem maioria no legislativo, e mesmo assim conseguir votações no Congresso em reformas difíceis, como a da educação, trabalhista, do teto dos gastos, etc. Também avalia que a oposição em ações que visam o constrangimento de Temer, são bloqueadas no Parlamento.

Para demonstrar, Pereira elabora um gráfico onde é mostrado o nível de eficiência e custo dos mandatos de FHC, Lula, Dilma e Temer. Ele observa que enquanto o FHC nos custos totais gastou relativamente pouco no primeiro mandato e menos com o seu próprio partido, Lula e Dilma nos quatro mandatos gastaram muito. Lula gastou principalmente com o PT e Dilma gastou metade com os outros partidos e a outra metade com o seu, sobretudo no primeiro mandato, no segundo a maior metade ficou com os outros da coalizão (mas uma diferença de 12%). Além do mais, verifica-se que os custos no governo petista aumentaram consideravelmente, mas a aprovação de iniciativas não foi proporcional, principalmente a partir do começo do segundo mandato de Lula e o final do primeiro de Dilma.

No governo Temer, aconteceu o contrário de forma acentuada, pois houve uma queda significativa nos custos da gestão, alcançando os níveis mais baixos. Foram 70% dos recursos para os aliados da coalizão e o restante para o PMDB (hoje MDB); o que o gráfico mostrou, é que ele obteve grande êxito na aprovação das iniciativas a um baixo custo, diferentemente dos antecessores.

O autor verifica em suas pesquisas, que ideologicamente, FHC desviou relativamente pouco, no entanto, nos governos do PT houve um número elevado do nível de diversidade ideológica, mesmo caindo no segundo mandato de Dilma. Já com Temer, ele usou o número total de legendas, mas permaneceu ideologicamente homogêneo, sendo a gestão com esse maior índice, o que leva a crer que mesmo tendo uma base fragmentada, não necessariamente será uma coalizão heterogênea ou de alto custo.

Na divisão do poder, as gestões petistas o compartilharam pouco (com exceção do segundo mandato de Dilma), mas com Temer, mesmo reduzindo ministérios, ele dividiu o poder de forma bem proporcional aos seus membros. Com FHC, além de ter conseguido preferências ideológicas similares ao do Parlamento (assim como Temer), sua distribuição de poder foi bem compartilhada com a base aliada.

Se há tantos fatores a se considerar para o bom caminhar da governabilidade da presidência, o que parece é que depende muito dela para manter boa estabilidade democrática e política. No caso do Brasil, o presidencialismo assume contornos interessantes: Existem teses muito fortes e muito aceitas de que, de fato, o presidencialismo brasileiro pós-1988 garantiu mais poderes ao presidente e isso contribuiu de forma significativa para a estabilidade democrática.

Anteriormente, argumentava-se que o presidencialismo levaria a crises insolúveis, a golpes, ao fim da democracia. Mas a partir dos anos 90, vários estudos começaram a mostrar que nos países onde o presidente tinha mais poderes ele conseguia equilibrar o jogo com o Congresso, obtendo mais negociação, mais cooperação. É o caso do Brasil e do Chile, especialmente (INÁCIO, 2014).

No entanto, nessa perspectiva de coalizão, a alta heterogeneidade ideológica na coalizão partidária da gestão de Dilma, foi um fator que contribuiu para o golpe, isto é, houve impactos externos e internos na conjuntura de seu governo em seu segundo mandato. Houve uma considerável fragmentação partidária e a incapacidade derivada de estratégia equivocada da presidente em gerir a coalizão montada, mas é preciso levar em conta como o Legislativo, sob a figura de Eduardo Cunha, corroborou para estreitar ainda mais o governo Dilma e levá-lo ao colapso (CARLOMAGNO; CARVALHO; VIANA, p. 74-75, 2019).

No governo Bolsonaro, houve uma mudança substancial. O presidente e sua equipe de governo não formaram uma coalizão sólida no Parlamento estando vulnerável ao Legislativo. No entanto, em 2019 Bolsonaro teve amplo apoio do Congresso, mas a explicação para isso se deve a uma agenda comum entre o Executivo e o Legislativo que acaba por formar uma coalizão entre os dois poderes nas votações nominais (OLB, 2020). No ano de 2021, a falta de articulação ou mesmo de inexistência de uma coalizão parlamentar, o cenário se desenha com graves erros tomados pelo Executivo numa tentativa pífia de tentar formar algum apoio a seu governo. Bolsonaro distribuiu verbas orçamentárias diretamente aos parlamentares, o que não garante apoio e sai caríssimo, uma péssima estratégia de como não se deve fazer presidencialismo de coalizão.

Nessa esteira, é contínua a falta de diálogo com partidos importantes, repudiando a política e dando apenas preferência para um grupo seleto de seguidores, o que personaliza as relações entre os poderes. Diante de um cenário de CPI e pandemia mal gerida, o necessário para o governo ter ainda algum controle, seria distribuir cargos ministeriais a líderes de grandes partidos (SANTOS, 2021).

Uma constatação interessante, é que, teoricamente quanto pior for a popularidade do Executivo, mais caro é para manter o seu apoio, entretanto, o que se observa é que Temer mesmo tendo uma impopularidade recorde, a sua gestão teve o mais baixo custo. Diante dessa problemática, desse acontecimento incomum, é possível efetuar algumas considerações.

Tendo em vista que Temer conseguiu uma eficiência que não ocorria desde 1995, e a maneira como ela se deu, contando sua base ideológica homogênea, e ele, sendo uma figura oriunda da “velha política”, dá para entender cada vez melhor quando se dirigem ao Lula como o grande conciliador. Mesmo ele não sendo de um espectro ideológico radical, ele e o Parlamento já possuem alguma distância nesse quesito.

Agora vamos imaginar um partido, uma figura, mais à esquerda do PT e bem menos conciliadora, como o PSOL que tem se destacado nos últimos anos dentro da política, e por algum desfecho eleitoral alcançar a presidência da república. Boulos que no momento é quem tem destaque como projeção do partido, teria enormes dificuldades, uma vez formada uma base aliada homogênea ideologicamente, de coadunar suas preferências com as do Congresso. O que leva a crer que esse ambiente pode ter certa hostilidade em beneficiar a sociedade com políticas públicas que visam uma maior inclusão social.

REFERÊNCIAS

BERTHOLINI, Frederico; PEREIRA, Carlos. Pagando o preço de governar: custos de gerência de coalizão no presidencialismo brasileiro. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 51, nº 4, p. 528-550, jul – ago. de 2017.

CARLOMAGNO, Marcio Cunha; CARVALHO, Valter Rodrigues de; VIANA, João Paulo S. L. Presidencialismo de Coalizão em Tempos de Crise Institucional: Relação Executivo Legislativo nos Governos Dilma (2015-2016) e Temer (2016-2018). Revista Política Hoje, Recife, vol. 28, nº 2, p. 59-78, 2019.

INÁCIO, Magna. ‘O problema não está no presidencialismo de coalizão, mas nas coalizões que são formadas’, diz pesquisadora da Ciência Política. UFMG, Belo Horizonte, 13 de nov. de 2014.

OLB. Como votaram os congressistas no primeiro ano do governo Bolsonaro? Rio de Janeiro, 28 de jan. de 2020.

PEREIRA, Carlos. Temer é o presidente mais eficiente na relação com o Congresso desde 1995. Ilustríssima – Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 de out. de 2017.

SANTOS, Fabiano. CPI e o presidencialismo de coalizão. Uol, São Paulo, 01 de mai. De 2021. Opinião.

*Graduando em Ciências Sociais pela UFPR. E-mail: mikegarage666@gmail.com.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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