skip to Main Content

Desvendando os usos do Twitter por jornalistas na cobertura dos protestos de 2013 e 2015: resenha de uma análise de conteúdo

Fabiane A. de Lima*

As manifestações ocorridas no Brasil nos anos de 2013 e 2015 são ainda geradores de discussões, sejam pelas suas motivações ou por seus desdobramentos posteriores na política do país. Os primeiros desses movimentos foram motivados por insatisfação geral com o governo e organizados pelo Movimento Passe Livre (MPL), a princípio por causa de um aumento de 20 centavos na passagem do transporte coletivo. A resposta violenta da polícia motivou a revolta popular, organizada através das mídias sociais. Em 2014, Dilma Rousseff se reelege e um novo ciclo de protestos começa, desta vez liderados pela direita (MBL, Revoltados Online, VPR, Endireita Brasil) e focados em se posicionar como anticorrupção e em favor do impeachment. É com o delineamento desse cenário que o artigo “Covering Protests on Twitter: The Influences on Journalists’ Social Media Portrayals of Left- and Right-Leaning Demonstrations in Brazil”, de Mourão e Chen (2018), inicia.

A proposta do artigo é analisar como os jornalistas cobriram esses acontecimentos em suas contas pessoais do Twitter. Parte-se da ideia de normatização, ou seja: que esses jornalistas espelham as normas e padrões da cobertura das organizações de mídia a que estão vinculados. Os autores comentam as particularidades do sistema de mídia brasileiro, ressaltando que ele tem como modelo as normas profissionais americanas. Suas organizações possuem questões de alianças políticas locais, baixa circulação de exemplares, foco nas elites, e dependência de subsídios e incentivos do governo; os conglomerados de mídia no Brasil são organizações familiares, com o governo controlando as concessões de transmissão de mídia, e políticos possuindo controle de meios de comunicação. Conforme a discussão dos autores, ainda que a cultura jornalística brasileira se embase em normas americanas, ela tende à hibridização e à rejeição do ideal de imparcialidade, com jornalistas muitas vezes possuindo uma relação cínica com a objetividade.

Os autores destacam que os últimos movimentos de massa com extensa cobertura noticiosa antes dos eventos de 2013 foram as Diretas Já (1984) e o Fora, Collor! (1992). Nas Diretas Já, a cobertura foi mais heterogênea, com a Folha de São Paulo sendo mais incisiva e a Globo tirando o foco da cobertura em função de interesses próprios. No Fora, Collor!, a cobertura atuou de forma mobilizadora da opinião pública, se colocando como vigilantes e celebrando o movimento depois que o Congresso já estava votando o impeachment — com exceção da Folha.

Em geral, os jornalistas tendem a deslegitimar movimentos sociais e serem resistentes a grupos que buscam mudança, movimentos estes que precisam da exposição midiática para se promoverem: trata-se do “paradigma do protesto”. A cobertura desses jornalistas faz uso de táticas para deslegitimar movimentos sociais que enfatizam a violência dos protestos — vandalismo, bloqueios, confrontos com a lei e com a polícia —, e retrata os seus protestantes como mentalmente incapazes ou de aparência questionável — o protesto como um “circo”, seus participantes como incapazes de análise política válida.

As mídias sociais aproximaram a produção e o consumo da notícia, com jornalistas fazendo uso das plataformas para encontrar pautas. Se supõe que as normas que governam o trabalho jornalístico tenderiam a influenciar o comportamento online dos profissionais. Entretanto, casos como o da cobertura das manifestações na Primavera Árabe apontam maior necessidade de investigar o comportamento dos jornalistas no Twitter, uma vez que os padrões de normalização não necessariamente se aplicam. Em virtude disso, os autores colocam duas questões de pesquisa e duas hipóteses:

– Que formas de marginalização os jornalistas brasileiros empregam quando cobrem no Twitter protestos de esquerda e de direita?

– A cobertura de protestos no Twitter tende a ser mais legitimadora a protestos de direita apoiados pela elite (2015) que quando são protestos de esquerda (2013).

– Como influências pessoais e organizacionais afetam o modo como repórteres tweetam sobre protestos de esquerda e direita?

– Em sua cobertura individual, repórteres tendem a usar mais o humor como mecanismo de marginalização dos protestos de direita e esquerda.

Para essa investigação, usou-se dados de entrevistas com repórteres (dados demográficos, de alinhamento político, opinião sobre os protestos, empregadores etc) cruzados com seus tweets (análise de conteúdo). Considera-se a flexibilidade da empregabilidade dos jornalistas na época da pesquisa. Os dados para a entrevista foram coletados de uma lista de 10 mil pessoas do Knight Center for Journalism in the Americas, e foram selecionadas apenas respostas de jornalistas profissionais com contas no Twitter (466 no total). A amostra tinha 2.956 tweets no total. O perfil do jornalista participante era: em geral de classe média, inclinados mais à esquerda; 30% com atuação como editores; 30,6% deles cobriram os protestos de 2013 e 21,4% cobriram os protestos de 2015. Em média, eles tendiam a ser mais favoráveis aos protestos de 2013 e menos aos de 2015, trabalhavam em organizações de variados tipos de tamanho médio (online, impresso, rádio e tv etc) que se posicionavam mais ao centro em relação aos protestos em geral.

Dado que os jornalistas tendiam a ser mais simpáticos aos protestos de 2013 e menos aos de 2015, fica invalidada a primeira hipótese: os protestos de 2015 tendiam a ser vistos com mais humor e deboche, enquanto que a violência era mais destacada em 2013, validando a segunda hipótese parcialmente. Outras conclusões interessantes: jornalistas com emprego fixo tendiam a ser mais simpáticos aos protestos, enfatizavam mais a violência caso eles mesmos estivessem cobrindo o movimento nas ruas e tivessem empregos fixos; aqueles que cobriram os protestos mais diretamente tendiam mais a tratar os protestantes como “idiotas”, e além disso, jornalistas trabalhando em organizações online tendiam a usar mais o humor para retratar os protestantes, acompanhado do tratamento de “idiota”. A violência no conteúdo dos tweets, por sua vez, é nuançada: os jornalistas ressaltavam a violência policial e também abordavam aquela vinda do movimento, alguns deles mostrando que notaram a falta de violência policial no trato com os protestos de 2015.

Os autores afirmam que não encontraram evidências de normalização na cobertura nas redes sociais. A evidência disso seria o fato de os jornalistas retratarem os protestantes como idiotas a despeito de suas filiações às elites. Isso mostra que variáveis de nível individual influenciam na criação do conteúdo mais que as de nível organizacional. Jornalistas jovens tendiam a “zoar” mais os protestantes, enquanto que os mais velhos focavam mais na violência dos protestos. A familiaridade desses jovens com as mídias sociais é especulada como fator de influência nesse uso do humor. Entre as fraquezas do estudo, os autores apontam as especificidades brasileiras, que não permitem generalização dos resultados, e a falta de uma abordagem específica relativa ao crescimento da direita no país. Eles recomendam uma abordagem mais qualitativa e a reaplicação dessa metodologia em outros contextos. Também sugerem que as mídias sociais ainda são consideradas um espaço pessoal dos jornalistas.

Cabe aqui um breve comentário sobre essa rede social. O Twitter, enquanto plataforma, é a mais aberta das redes sociais. Isso porque é uma das mais simples entre as redes sociais mais populares. Ele não possui um sistema de fórum e grupos complexo como o do Facebook, que cria camadas extras na abstração da interação. O mais próximo do Twitter é o Instagram, que pertence ao Facebook. Ambas as plataformas funcionam à base de engajamento da audiência e por palavras-chave. Por ser simples e não coletar uma quantidade muito grande de dados do usuário por interação, há coisas que só são possíveis de se fazer com ele, no que diz respeito à manipulação da API. Por outro lado, as pessoas voluntariamente compartilham o que pensam de modo aberto na plataforma: enquanto no Facebook muito só é dito em grupos fechados, com muitas camadas de acesso e restrições possíveis, no Twitter a conta é privada ou pública, sem meios-termos.

O forte do Twitter são seus sistemas de threads, que foram, de certa forma, uma invenção dos usuários que depois foi dilapidada, desenvolvida e aperfeiçoada tecnicamente. Percebendo a ligação entre os tweets que os replies formavam, os twitteiros passaram a criar “gêneros narrativos” como o fio e o retweet. Essas threads/fios são textos longos formados por tweets encadeados, onde os usuários explicam processos ou contam histórias de maneira linear, às vezes “ao vivo” e sem rascunhos. O Twitter parece um ambiente interessante de trabalho no que diz respeito a pesquisas de opinião pública por essa simplicidade e abertura. Mas o que ele tem de permeável é o fator que o diferencia do Facebook: o forte do Facebook é o que permite certas coesões entre grupos que influenciam o que se chama de opinião pública nas redes sociais.

O texto aqui resenhado é interessante pela forma como discute fatos recentes da política nacional. Enquanto texto, é bem escrito e possui uma estrutura que conta a história, a contextualiza e embasa de forma interessante e sucinta também ao olhar estrangeiro, dado que foi publicado em uma revista americana. Outro ponto interessante é que a análise dos dados permitiu aos pesquisadores notarem o caráter heterogêneo do uso do Twitter por parte dos jornalistas. Essa heterogeneidade vem das nuances — palavra usada em pelo menos três ocasiões no texto — desta comunicação entre as opiniões a respeito de movimentações sociais com motivações complexas. Entre essas nuances, a pesquisa notou que, tendo a liberdade de manifestar apoio ou crítica aos movimentos, o jornalista se vê livre para dar sua opinião pessoal de modos menos sutis (quando usam de humor e ofensa, por exemplo) ou mais engajados (quando cobrem diretamente o assunto ou quando eles mesmos ou colegas próximos sofrem a violência da repressão).

Entretanto, o texto assumidamente não reporta se a pesquisa leva em consideração a diferença entre o uso pessoal e profissional do Twitter. Na coleta dos dados, os pesquisadores realizaram um questionário com profissionais cadastrados na base do Knight Center for Journalism in the Americas, tomando como parâmetro o seu uso da rede social. Os resultados do experimento apontam, entre outras coisas, que os jornalistas não se deixam levar pelos seus contratos e vínculos de trabalho no que diz respeito à sua opinião pessoal. Ainda que profissionais de várias áreas da Comunicação usem suas contas pessoais para propósitos profissionais, não fica claro no artigo se estes tweets são parte da cobertura desses profissionais dos eventos que se desenrolaram em 2013 e 2015, ou se se tratam apenas de opiniões sobre os eventos.

REFERÊNCIA

MOURÃO, Rachel R.; CHEN, Weiyue. Covering Protests on Twitter: The Influences on Journalists’ Social Media Portrayals of Left- and Right-Leaning Demonstrations in Brazil. The International Journal of Press/Politics. v. 25, n. 2, 2018.

*Fabiane A. Lima é doutoranda em Design pela UFPR e mestre em Tecnologia pela UTFPR. Transita entre o Design de Interação, da Informação e a Comunicação, tem paixão por educação, editorial e audiovisual, mas gosta mesmo é de uma sala de aula. E-mail: fabianelim@gmail.com.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

Back To Top
Search