“Publique em periódicos internacionais ou pereça”
Por Naiza Comel*
No artigo intitulado “Higher Quantity, Higher Quality? Current Publication Trends of the Most Productive Journal Authors on the Field of Communication Studies” os pesquisadores Márton Demeter, Veronika Pelle, Gábor Mikulás e Manuel Goyanes realizam um trabalho minucioso de análise das trajetórias de publicação dos 100 acadêmicos mais produtivos em estudos de comunicação e mídia entre 2015 e 2019. O trabalho foi publicado em 2022 na Publishing Research Quarterly.
A discussão inicia pela ideia, já bastante difundida, do “publique ou pereça”. A expressão resume bem a pressão pela qual acadêmicos estão submetidos quanto à produtividade e impacto em suas áreas. Aqui, vale reforçar que a produtividade diz respeito ao número de artigos publicados, enquanto o impacto refere-se ao número (e algumas vezes ao peso) das citações.
Os pesquisadores, entretanto, vão além, destacando que esses fatores agora têm uma nova dimensão: a internacionalização. Assim, defendem que hoje a expressão é melhor empregada por “publique em periódicos internacionais ou pereça”. Nas palavras de Demeter e colegas (2022, p.2), “publicar em periódicos indexados, preferivelmente Scopus, tornou-se o padrão-ouro na academia”. Assim, a maior parte dos sistemas de avaliação trabalha apenas com artigos publicados em periódicos de visibilidade internacional e indexados nas bases Scopus ou Web of Science. A lógica por traz dessa seleção exclusiva, continuam os autores, “é que a maioria das instituições de pesquisa, rankings internacionais, agências de financiamento e até mesmo formuladores de políticas assumem que publicar em periódicos líderes é um antecedente significativo da qualidade da pesquisa e do impacto futuro” (DEMETER et al., 2022, p. 2).
A partir dessa discussão (e da apresentação de iniciativas anteriores que buscaram explicar os padrões de pesquisa de estudos de comunicação), os pesquisadores desenvolvem duas questões de pesquisa: RQ1: Quais são as trajetórias de publicação e os meios de publicação populares dos acadêmicos mais produtivos em comunicação? RQ2: Quais são os principais núcleos temáticos em que os acadêmicos de comunicação mais produtivos publicam?
Antes de passar aos resultados, vale mencionar um ponto do percurso metodológico que, por si só, é um debate importante para a área. Após selecionar os 100 pesquisadores mais produtivos, alguns foram descartados. A primeira seleção foi dos estudiosos que publicavam apenas em revistas de engenharia e, portanto, não atendiam ao escopo específico proposto no artigo. Mas é para a segunda seleção que é preciso chamar mais a atenção: foram eliminados cinco pesquisadores que “hackeiam” o sistema de publicação. O que isso significa? São aqueles que publicam dezenas de artigos em seus próprios periódicos, onde normalmente são os editores-chefes. Mais do que isso, não publicam com frequência em outras revistas. Um dado específico é apresentado pelos autores: “Alguns desses estudiosos questionáveis publicaram mais de 120 artigos em seus próprios periódicos nos últimos cinco anos, e a maioria não publicou em outro lugar” (DEMETER, 2022, p. 4). É relevante lembrar que os autores estão tratando aqui dos acadêmicos mais produtivos na comunicação e em periódicos de referência – é possível inferir que esse seja um problema ainda mais grave com pesquisadores menos conhecidos e/ou revistas com menor rigor de seleção. Acredita-se que esse é um debate que supera, por exemplo, a autocitação (muito discutida como um possível desvio dos pesquisadores para aumentar de forma “forçada” seu impacto).
Dos resultados, seleciona-se algumas informações: 1) Em média, os 100 melhores acadêmicos publicam 5 artigos nas revistas incluídas no Scopus por ano; 2) 34% dos 100 principais autores de alto desempenho são, de alguma forma, irrelevantes para o grupo de estudos de comunicação convencional; 3) apesar de ser natural que revistas com focos semelhantes estejam conectadas, alguns periódicos tendem especialmente a formar redes de publicação; 4) “jornalismo” é o cluster mais saliente com revistas bem conectadas (o tema é, portanto, muito popular entre os acadêmicos com melhor desempenho) e três periódicos têm destaque: Journalism, Journalism Practice e Journalism Studies. Um achado que deve ser destacado em virtude do objetivo do estudo é o de que os acadêmicos com melhor desempenho não apenas publicam a maioria dos artigos, mas também publicam em periódicos de primeira linha.
Outros resultados, também relevantes para reflexões sobre a área, estão relacionados ao que Demeter e colegas (2022) descrevem como “self-loops”, quando autores publicam repetidamente na mesma revista. As explicações para esse movimento podem ser, ainda segundo os pesquisadores: a localização da revista (em um periódico coreano 97% dos autores são do país); interesses muito específicos de uma publicação; maior quantidade de artigos em uma publicação (o que reduz a seleção e leva autores a buscarem estes periódicos). Verifica-se, desta forma, que as discussões e resultados apresentados por Demeter et al. (2022) não apenas se diferenciam de pesquisas anteriormente desenvolvidas, mas levam a novas reflexões sobre o “publique ou pereça”, tão importantes na academia.
REFERÊNCIA
DEMETER, M.; PELLE, V.; MIKULÁS, G.; GOYANES, M. Higher Quantity, Higher Quality? Current Publication Trends of the Most Productive Journal Authors on the Field of Communication Studies. Publishing Research Quarterly, p. 1-20, 2022.
*Doutoranda e mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Integra o Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).
As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.