A batalha contra a desinformação pode ter um efeito negativo?
Por Laura Rodrigues dos Santos*
No artigo “Can fighting misinformation have a negative spillover effect? How warnings for the threat of misinformation can decrease general news credibility”, os autores Toni van der Meera, Michael Hameleersa e Jakob Ohme buscam entender se as tentativas dos meios de comunicação em combater a desinformação podem gerar consequências negativas do chamado efeito de transbordamento.
Esse texto se torna relevante pois é por meio dos dados quantitativos e resultados de pesquisa que podemos refletir sobre os fatores que levam ao aumento da desconfiança das notícias da mídia e também se esse impacto na credibilidade dos cidadãos nos veículos midiáticos pode influenciar o funcionamento da democracia, sendo necessário uma restauração da confiança legítima nas instituições.
O artigo debate se as maneiras de lidar com a desinformação utilizada pelos meios de comunicação – checagem de fatos e avisos prévios de desinformação – podem alterar a confiança na credibilidade das notícias, partindo do pressuposto de que a atenção à desinformação pode gerar consequências negativas não intencionais.
Dessa forma, é explorado se a desinformação intensifica o “efeito de transbordamento”, nome dado quando uma condição influência outras condições. Nesse sentido, os autores exploram se as tentativas de combater a desinformação podem transbordar de forma negativa ao levantarem suspeita na população, uma vez que, ao ser utilizado avisos acerca da desinformação contida na notícia, eles podem causar engano a respeito de quais notícias são informativos verídicos.
É evidente a transformação na forma como as pessoas processam e acessam as notícias após a desinformação se tornar uma problemática abordada de forma constante em veículos de informação. Os autores do texto argumentam como majoritariamente a população tem uma tendência em acreditar em notícias, como um viés direcionado a verdade, carregando consigo esse padrão enviesado de que a notícia que estão lendo é verdadeira.
Entretanto, após a era da desinformação, a população dispõe de novas formas de avaliar se uma notícia contém elementos desinformativos, devido à rápida propagação das desinformações, tornando as pessoas mais atentas ao que leem e recebem digitalmente. A partir dessa perspectiva, é argumentado que a credibilidade dos cidadãos em notícias repassadas pelos veículos midiáticos, são fundamentais para um bom funcionamento da democracia.
O texto aponta três hipóteses. A primeira delas encarrega-se do fato de que a exposição a desinformação pode diminuir os níveis de credibilidade de notícias que são realmente verdadeiras. A segunda hipótese explora se as correções à desinformação e os avisos prévios a manchete de que a notícia contém desinformação, podem diminuir os níveis de credibilidade de notícias corretas. A terceira hipótese busca entender se a intervenção que busca alertar acerca da eminencia de desinformação que contém uma notícia – chamada de News Media Literacy – poderia ser mais eficaz do que a checagem de fatos.
Assim, a construção da metodologia é feita de modo a comparar se os níveis de veracidade de uma notícia mudam para os leitores conforme são expostos a diferentes estímulos. Esta abordagem foi verificada a partir de alguns estímulos: exposição à desinformação, checagem de fatos após o artigo contendo desinformação, uma intervenção de News Media Literacy com a intenção de aumentar a credibilidade das notícias que são realmente verdadeiras.
Foram utilizadas notícias desinformativas que abordam as mudanças climáticas e sobre a questão das elites. A pesquisa foi desenvolvida com 1.350 participantes dos Estados Unidos, com a justificativa da grande polarização que vem ocorrendo no país, junto com a declinação dos níveis de confiança por parte da população.
Para mensurar a variável de credibilidade, os participantes escolheram em uma escala de 0 a 100 sobre o quão confiável eram as notícias que estavam sendo expostos. Também foram utilizadas como variáveis de controle a ideologia política dos participantes e o quão hostil era a percepção da mídia para eles, e a verificação de manipulação, que questionava que tipo de artigos eles liam.
Dessa maneira, os resultados apontam que na primeira hipótese os participantes expostos à desinformação avaliaram as notícias verdadeiras como menos confiáveis. Enquanto que na segunda hipótese, os autores mostram que os participantes não avaliaram a credibilidade das notícias de forma diferente dos participantes que testaram a primeira hipótese, quando expostos as manchetes verificando os fatos na notícia os participantes avaliaram as notícias verdadeiras como menos confiáveis. Na terceira hipótese, mostra como a exposição a NML (News Media Literacy) não alteraram os níveis de credibilidade, sugerindo que a intervenção NML não aumenta esse padrão de avaliação de confiabilidade após serem expostos a desinformação como vistos na primeira e segunda hipótese, entretanto o NML pode ser importante quando uma audiência é constantemente exposta à desinformação.
Dessa forma, o estudo demonstrou que os participantes tem uma maior tendência a acreditar que notícias verdadeiras contém desinformação quando expostos primeiramente a notícias tendenciosas e a notícias desinformativas seguidas da checagem de fatos. Cria-se, assim, um viés que é direcionado muito mais para o desencanto ao ler notícias, independentemente de serem verdadeiras ou não, do que um viés pautado em sempre acreditar na veracidade das notícias.
Por outro lado, o resultado dessa pesquisa demonstrou um resultado diferente à exposição ao NML (News Media Literacy), comparado às outras duas hipóteses: a intervenção da NML não alterou significantemente a credibilidade das pessoas que participavam da pesquisa. Assim, esse resultado sugere que as intervenções do News Media Literacy podem ajudar a diminuir a desconfiança.
REFERÊNCIA
Toni van der Meer, Michael Hameleers & Jakob Ohme (2023). Can Fighting Misinformation Have a Negative Spillover Effect? How Warnings for the Threat of Misinformation Can Decrease General News Credibility, Journalism Studies, 24:6, 803-823.
*Laura Rodrigues dos Santos é estudante na Universidade Federal do Paraná (UFPR), graduanda em Ciências Sociais na linha de formação em Ciência Política. Integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).