Desigualdade e ausência de diversidade na Academia: As bases da centralização Ocidental e Anglófona em revistas de Comunicação
Por Giorgio Dal Molin*
Nos últimos anos alguns estudos e artigos publicados em revistas acadêmicas vêm debatendo a falta de diversidade na Academia. São pesquisas que questionam e comprovam, por meio de dados, uma grande desigualdade que favorece um determinado perfil de autores que publica em periódicos científicos. São profissionais em sua maioria homens, brancos e da chamada origem WEIRD: ocidentais, educados, industrializados, ricos e democráticos.
Dois exemplos que trazem esse debate recente são os artigos:
• “Inequities of race, place, and gender among the communication citation elite”, publicado no Journal of Communication, de autoria dos pesquisadores Deen Freelon, Meredith L. Pruden, Kirsten Eddy, e Rachel Kuo.
• “The institutional basis of anglophone western centrality”, publicado na revista Media, Culture & Society, e de autoria do professor brasileiro Alfonso de Albuquerque.
O primeiro texto traz números que comprovam esse desiquilíbrio. Os autores fizeram uma análise de conteúdo de 20 anos, entre 2000 e 2019, com os 1.675 autores mais citados em artigos de Comunicação nas 11 revistas mais proeminentes da área, utilizando como principais fontes de dados as bases de dados Web of Science (WOS), Journal Citation Reports (JCR) e Scopus, identificando autores primários e secundários de artigos.
Entre alguns achados do que os autores chamam de elite de citações em comunicação (CCE), está o fato de que apenas 14 pesquisadores negros, sendo apenas uma mulher negra, estavam na lista do CCE. Além disso, os pesquisadores “da elite” trabalham majoritariamente nos Estados Unidos e em países chamados WEIRD, sendo predominantemente pesquisadores brancos, alcançando 91,5% dos membros como primeiros autores de artigos. Ademais, em relação a gênero, o artigo revela que 74,3% dos membros de primeiro nível do CCE são homens e apenas 25,6% são mulheres. Nesse sentido, a ideia do artigo de Freelon et al. é expandir essa análise sobre raça, gênero e países de origem dos autores.
Além de trazerem esses dados interessantes, os autores também fazem um apanhado histórico do porquê a Comunicação é um campo relevante para tomar por base este tipo de análise. Eles relembram, por exemplo, o fato de que o campo da Comunicação como o entendemos hoje começou a ser estudado nos anos 1930, nos Estados Unidos, e desde os anos 1960 pesquisadores da área conduzem pesquisas sobre citações e representações. Porém, até recentemente, mais precisamente 2018, nenhum estudo havia investigado empiricamente as disparidades raciais e étnicas até que Chakravartty et al. (2018) escreveram “#CommunicationSoWhite”, publicado em uma edição especial do Journal of Communication, trazendo luz sobre a questão da “branquitude da comunicação”.
Nesse sentido, Freelon e colegas fazem um apanhado da relevância do estudo, que mostrou disparidades raciais nas taxas de citação na área de Comunicação. Isso abriu espaço para outras pesquisas sobre as disparidades acadêmicas no que tange às estruturas de poder na produção de conhecimento. Foi a partir de então que outras discussões foram fortalecidas sobre diversidade, equidade e inclusão na disciplina de Comunicação, como a questão do WEIRDness versus países “não-ocidentais” e disparidade de gênero.
Inclusive, uma frente de argumentação em busca de maior equiparidade na difusão e formação do conhecimento científico em Comunicação é justamente o artigo que citamos do professor brasileiro Afonso de Albuquerque, que tem como objetivo mostrar o desiquilíbrio das publicações dominantes de comunicação com origem anglófona, especificamente Estados Unidos e Reino Unido, e de autores do grande “Ocidente Global”, em comparação com outros países.
Albuquerque faz seu testemunho como professor de “fora desse circuito”, e que, segundo ele, só conseguiu espaço em fóruns e debates globais por ter bom conhecimento das teorias apresentadas pelo Ocidente Anglófono. O autor argumenta que as teorias anglófonas ocidentais são, na perspectiva brasileira, contribuições estrangeiras ao conhecimento, que descrevem algumas características do ambiente comunicacional. Uma visão, inclusive, compartilhada em estudos de comunicação em outros países do mundo, de acordo com Albuquerque.
O professor, contudo, aponta uma contradição: até mesmo artigos que reivindicam a “descolonização” e “desocidentalização” das pesquisas em comunicação insistem em sub-representar autores de fora do Ocidente em suas referências. Ou seja, o “ocidente-centrismo” acaba sendo promovido também por pesquisadores de fora do Ocidente.
Alguns dos motivos para isso seria um mundo unipolar, com origem nos anos 1990 e fim dos anos 1980, e da globalização neoliberal. Isso acabou fazendo com que grandes pesquisadores de universidades – principalmente anglófonas norte-americanas e do Reino Unido – tivessem a oportunidade de publicar nas revistas de comunicação de maior prestígio na área.
Rankings como Clarivate’s Journal of Citation Reports (JCR), por exemplo, trazem poucos periódicos (quase nenhum) de língua não-inglesa entre os de maior impacto. Como aponta Albuquerque, em 2018, por exemplo, 58% dos membros dos membros editoriais desses periódicos eram afiliados a universidades norte-americanas. Além disso, os países anglófonos (EUA, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia) respondem por três quartos da amostra. As nações ocidentais respondem por 90%. China e Índia, juntas, têm menos de 1% da amostra.
Essa massiva presença de pesquisadores anglófonos fez com que se instaurasse uma ilusão de que suas teorias valeriam genericamente para todas as partes do mundo. Pior ainda, os pesquisadores do “resto mundo” de certa forma naturalizaram esses interesses no ensino, deixando sociedades periféricas com lacunas e legitimando essas visões nas próprias sociedades.
Albuquerque destaca que um exemplo disso é a própria forma como conceitos como democracia e autoritarismo são utilizados nos estudos de jornalismo e comunicação política: sociedades ocidentais são definidas como democráticas e os outras são autoritárias ou democracias “frágeis” ou “de transição”.
Aliás, por ter sido publicado em uma revista estrangeira (Media, Culture & Society) e mostrando uma visão pessoal de um autor de fora do eixo anglófono, o artigo de Albuquerque é uma excelente maneira de reforçar que países de fora do “ocidente-centrismo” possuem suas próprias visões e teorias próprias de comunicação. Por outro lado, o próprio Alburquerque comprova em seu artigo a baixa presença de pesquisadores das nações não-ocidentais nos conselhos editoriais, mostrando que o discurso da diversidade, debatido por Freelon et al., ainda não entrou em prática nos periódicos.
Referências
Albuquerque, A. (2021). The institutional basis of anglophone western centrality. Media, Culture & Society, 43(1), 180-188.
Freelon, D., Pruden, M. L., Eddy, K. A., & Kuo, R. (2023). Inequities of race, place, and gender among the communication citation elite, 2000–2019. Journal of Communication.
Chakravartty, P., Kuo, R., Grubbs, V., & McIlwain, C. (2018). #CommunicationSoWhite. Journal of Communication, 68(2), 254–266.
* Jornalista e Historiador, Giorgio Dal Molin é mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná e integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE). Profissionalmente, trabalha no jornal Gazeta do Povo, tendo passado por diversas editorias como Política e Agronegócio, e pelas áreas de Marketing Digital, Emails & Newsletters e Interatividade.
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