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A notícia e a opinião no jornalismo brasileiro

Por Deivison Santos*

Marques e colegas (2019), no artigo “Similar, but not the same: comparing editorial and news agendas in brazilian newspapers” comparam as agendas noticiosa e opinativa de dois jornais de referência no Brasil: O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. A premissa por trás do trabalho é de que compreender as conexões entre tais agendas permite vislumbrar se, e em que medida, as publicações se comportam enquanto atores políticos, além de jogar luz sobre os processos de agendamento das empresas e suas ligações com o regime democrático e com os princípios do jornalismo comercial.

Assim, três perguntas norteiam a pesquisa: (1) Em que medida existe um alinhamento entre as agendas temáticas dos editoriais e das notícias dos periódicos? (2) Há um padrão compartilhado pelos jornais ou cada um adota diferentes políticas no que se refere às coberturas editorial e noticiosa? (3) O que a comparação entre as agendas noticiosa e editorial revela acerca da forma pela qual as organizações jornalísticas defendem seus interesses?

Além de lidar com a atuação do jornalismo como ator político, o trabalho é relevante por analisar uma das questões centrais relacionada à rotina de produção jornalística: a separação entre notícia e opinião e a possível “contaminação” ou interferência da produção noticiosa sobre os editoriais, e vice-versa.

Ao longo da primeira parte da revisão de literatura, os autores acentuam as proposições de objetividade e imparcialidade que permeiam o modelo norte-americano de jornalismo, adotado – com adaptações – por diferentes países ao redor do mundo. São apresentadas as diferenças existentes entre os papéis que cada seção (noticiosa e opinativa) representa na estrutura dos jornais e na forma pela qual as publicações atuam na esfera pública. Ademais, também são destacadas algumas especificidades dos processos/rotinas de produção noticiosa e editorial, além das complicações advindas de uma significativa aproximação entre elas. Por fim, os autores tentam justificar a relevância do caso brasileiro.

Em seguida, são apresentadas algumas características do sistema de mídia nacional, das organizações jornalísticas que compõem esse sistema (especialmente as investigadas no artigo) e da função exercida pelas empresas de comunicação em momentos chave da história política do país.

Quatro hipóteses são apresentadas no texto: (H1) O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo oferecem mais visibilidade a temas políticos em seus editoriais do que em suas matérias noticiosas; (H2) Há convergência entre as agendas noticiosas da publicações já que ambas seguem os mesmos valores-notícia; (H3) A convergência entre os editoriais das publicações será baixa, mesmo que ambas privilegiem questões políticas; (H4) Há baixa convergência entre as agendas noticiosa e editorial de um mesmo jornal.

Os dados foram coletados tendo em vista as principais notícias publicadas nas capas dos jornais e os principais editoriais do dia em um recorte que contempla as primeiras semanas de cada mês entre os anos de 2015 e 2016, totalizando 24 semanas. Ao todo, são investigados 672 textos (168 editoriais e 168 matérias noticiosas, de cada jornal). Utiliza-se a técnica de Análise de Conteúdo para se verificar o material coletado a partir da criação e mobilização das categorias presentes em um livro de códigos. O referido livro evidencia qual tópico/tema foi privilegiado por cada texto de cada jornal (“Política e Estado”, “Economia” ou “Questões Sociais”). Além disso, foram desenvolvidos subtópicos para se investigar mais a fundo o “subtema” que mais se destacou nas publicações enquadradas no primeiro tópico, “Política e Estado”. A codificação foi feita por quatro pesquisadores respeitando os procedimentos de checagem de confiabilidade. O material também é analisado através de estatística descritiva.

Na análise dos resultados, em um primeiro momento, os autores apresentam as frequências de editoriais e notícias que se enquadraram nos temas gerais já mencionados, separados por jornal. Nota-se que, em ambos os periódicos, o tema “Política e Estado” foi predominante, tanto nas notícias de capa quanto nos editoriais. Posteriormente, são investigados somente os subtemas presentes no tópico/tema mais acionado (“Política e Estado”). Tratando-se das primeiras páginas da Folha, percebe-se que quando o jornal aborda o tema “Política e Estado” na maioria das vezes é para tratar de assuntos tais quais “corrupção e investigações”, “jogo político” e “política econômica”. As primeiras páginas do Estadão também priorizam esses três subtemas; entretanto, a ordem de prioridade é a seguinte: “jogo político”, “corrupção e investigações” e “política econômica”.

Sobre os editoriais, o artigo demonstra que a Folha oferece mais atenção aos subtemas: “política econômica”, “jogo político” e “normas institucionais”, respectivamente. O Estadão, novamente, prioriza os mesmos subtemas, mas em outra ordem de relevância: “jogo político”, “política econômica” e “normas institucionais”. Destaque-se que esses subtemas foram os três mais acionados por cada jornal/seção, mas existem outros que também fazem parte da análise.

Em uma próxima etapa, fazendo uso da análise de correspondência, os pesquisadores descobrem que embora haja diferenças entre os jornais, ambos privilegiam significativamente os subtemas “jogo político” e “corrupção e investigações”. Além disso, os resultados evidenciam que os subtemas publicados na primeira página da Folha são próximos aos subtemas publicados nos editoriais do Estadão. Enquanto isso, os editoriais da Folha se aproximam dos subtemas presentes nas notícias publicadas pelo Estadão. Por fim, os achados também indicam que tanto nos editoriais quanto nas notícias os jornais privilegiam mais o escopo nacional em suas publicações, com apenas algumas diferenças entre eles (por exemplo, o Estadão destina mais atenção a assuntos internacionais).

Com base nos achados da pesquisa, tem-se a confirmação da H1. De fato, há um significativo interesse por parte das organizações jornalísticas na publicação de textos que tratam de temas políticos, sobretudo nos editoriais. A H2 foi parcialmente confirmada. Embora os jornais destinem bastante atenção a temas políticos em seus textos, quando são analisados os subtemas de cada publicação é possível perceber ligeiras diferenças entre as empresas – o que é interessante, principalmente por evidenciar o problema de se tratar “a mídia” como um bloco homogêneo de ação política.

Por conseguinte, a H3 também foi confirmada. Embora tratem de temas políticos e apresentem semelhanças também nos subtemas mais abordados, os editoriais dos dois periódicos apresentaram diferentes padrões de associação na análise de correspondência, o que vai ao encontro do postulado na hipótese. Por fim, a H4 foi parcialmente confirmada. Embora haja algumas aproximações no caso do Estadão, não foi possível identificar uma significativa convergência entre os editoriais e notícias da Folha.

Finalizando o trabalho, os autores elaboram uma discussão destacando potenciais preocupações e fatores que precedem e influenciam as tomadas de posição dos jornais, em especial no que diz respeito à busca por credibilidade e legitimidade e o interesse em atuar enquanto atores relevantes na esfera pública.  Além disso, vale notar a importância atribuída pelos jornais ao subtema “política econômica” – não meramente como tema geral, mas com o possível interesse de dialogar com agente políticos em busca de uma agenda específica. Os pesquisadores também acentuam o fato de que os resultados não sustentam a tese de que as organizações de comunicação do país atuam de forma homogênea. Encerrando o trabalho, salienta-se algumas limitações do artigo e se debate a potencial direção da influência das seções opinativas e informativas (a seção noticiosa afeta a produção dos editoriais ou o contrário?).

REFERÊNCIA

MARQUES, F. P. J.; MIOLA, E.; MITOZO, I.; MONT’ALVERNE, C. Similar, but not the same: comparing Editorial and News Agendas in Brazilian Newspapers. Journalism Practice, p. 1-21, 2019.

INDICAÇÕES PARA LEITURAS COMPLEMENTARES:

ARTEMAS, K., Vos, T. P. & DUFFY, M. Journalism hits a wall: Rhetorical construction of newspapers’ editorial and advertising relationship. Journalism Studies, n. 19, v. 7, p. 1–17, 2016.  

EILDERS, C. Synchronization of issue agendas in news and editorials of the prestige press in Germany. Communications, n. 24, v. 3, p. 301-328, 1999.  

* Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPR, Membro do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE/UFPR) e do Grupo de Pesquisa Discurso, Comunicação e Democracia (DISCORD/UTFPR).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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