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A invisibilidade dos espoliados: movimentos de resistência na pesquisa de Mídia e Comunicação

Por Luiz Otávio Prendin Costa*

Podemos identificar vários estudos relativos à desocidentalização no campo de pesquisa de Mídia e Comunicação nas últimas duas décadas (GANTER e ORTEGA, 2019). O argumento principal diz respeito aos problemas do centrismo cultural, à falta de pluralidade e à exclusão do trabalho acadêmico de países não ocidentais nos estudos da área. Nesse ponto, alguns textos trazem discussões interessantes para compreendermos diferentes olhares sobre a mediação entre a desocidentalização da área de Comunicação e a forma como os currículos reproduzem o colonialismo, o imperialismo e o racismo na sala de aula.

Assim, debato hoje dois textos relacionados ao tema: “The Invisibility of Latin American Scholarship in European Media and Communication Studies: Challenges and Opportunities of De-Westernization and Academic Cosmopolitanism”, elaborado por Ganter e Ortega (2019), e “Dismantling the Western Canon in Media Studies”, de Mohammed (2022).

Em “The Invisibility of Latin American Scholarship in European Media and Communication Studies: Challenges and Opportunities of De-Westernization and Academic Cosmopolitanism”, os autores elaboram uma análise baseada na localização de estudos latino-americanos em plataformas acadêmicas influentes na Europa. Também analisam os conteúdos de artigos publicados nas sete revistas europeias mais citadas e de artigos apresentados nas conferências da European Communication Research and Education Association (ECREA) entre 2010 e 2016. Os resultados demonstram uma quebra da tradição frente à prevalência dos estudiosos latino-americanos sobre os estudos europeus de Mídia e Comunicação durante as décadas de 1970, 1980 e 1990.  De modo geral, os dados evidenciaram uma cultura acadêmica europeia que limita o acesso a artigos oriundos das tradições intelectuais latino-americanas e carece de análises baseadas em dados de contextos regionais.

Essa observação demonstra as dificuldades, por um lado, dos periódicos aceitarem e entenderem contextos baseados exclusivamente em relatos secundários de fora da região ou países em estudo. A análise dos artigos de pesquisa (n=2.471) publicados nas sete revistas mais bem classificadas entre 2010 e 2016 mostra que apenas 0,53% são advindas de acadêmicos afiliados a instituições latino-americanas. Dos 41 artigos publicados sobre ou da América Latina, apenas 31,70% são de acadêmicos vinculados a instituições da região e 68,29% abordam a América Latina. Os resultados mostram uma cultura de falar “sobre” em vez de “com”, indicando que os pesquisadores europeus e norte-americanos ainda tendem a ter mais privilégio e peso em pesquisar e falar sobre a América Latina do que os próprios acadêmicos da região.

Diante da exposição acima, fica evidente que a pesquisa de Ganter e Ortega (2019) aparece como uma crítica “prospectiva” (que busca a evolução futura) dos estudos europeus de Mídia e Comunicação. A sugestão dos autores para contribuir com a respectiva crítica é começar a exercitar o cosmopolitismo teórico que prevê o uso de trabalhos acadêmicos, conceitos e elaborações teóricas de diferentes países e regiões do mundo como um recurso natural. As pontes entre mundos acadêmicos (realidades culturais, regionais e de pesquisa) só irão se tornar sustentáveis caso o paradoxo das práticas pós-coloniais e da crítica for ativamente desenvolvida. Vale ressaltar, que apesar de Ganter e Ortega (2019) perseguirem o fim do provincianismo e fomentar uma análise de multi perspectivas (exercitando a frente do cosmopolitismo), esse viés ainda carece de uma defesa mais forte em campos acadêmicos e estratégias concretas para romper de forma efetiva o isolacionismo, desenvolvimento interno e auto absorção que caracterizam a mídia ocidental e os estudos de comunicação.

Um exemplo que podemos trazer para a discussão trata de outras formas em que o colonialismo e o imperialismo no campo atuam, nos distanciando um pouco das publicações em periódicos internacionais de influência e prestígio abordados anteriormente. Desse modo, podemos compreender as outras fases a serem questionadas do mesmo problema: a forte ocidentalização nos estudos de mídia e comunicação.

Na pesquisa “Dismantling the Western Canon in Media Studies”, por sua vez, Mohammed (2022) destaca as maneiras pelas quais o racismo sistêmico é replicado, reproduzido e, respectivamente, enquadra a pedagogia seguindo as suas próprias experiências enquanto pesquisadora negra advinda de Gana em uma universidade americana.

A geopolítica global, cada vez mais, aparenta que as pessoas mais marginalizadas são perpetuamente excluídas da história e consequentemente apagadas das narrativas que contribuem para moldar a ideologia social dominante. Sabemos que grande parte do trabalho em comunicação e mídias examina a maneira como as narrativas são formadas, moldadas e reformuladas ao longo do tempo e o seu poder de influenciar tais formações. Seguindo essa perspectiva, Mohammed (2022) demonstra que a sala de aula americana e as histórias das mídias e comunicações partem de uma perspectiva da branquitude e do Norte Global, enquanto as perspectivas dos povos indígenas, comunidade latina, negros, asiáticos e povos do Oriente Médio, a respeito dos processos midiáticos, são apagados. Interessante observar que o posicionamento da autora para tais informações é evidenciar que o apagamento das perspectivas de povos espoliados da área da produção científica dá a falsa impressão de que essas comunidades são recém-chegadas no campo.

Para romper com esse cânone ocidental se deve evidenciar a história e o presente racista, imperialista e colonialista do campo e trabalhar ativamente para combatê-lo (MOHAMMED, 2022). Isso quer dizer evidenciar os movimentos de pesquisa desocidentalizantes e agregar o questionamento referente a forma como as realidades das comunidades marginalizadas foram deshistorializadas, deslocadas e apagadas é re-endireitar as histórias da mídia para centrar essas comunidades historicamente despossuídas (centrar novas formas de saber):

“Quando eu estava no ensino médio em Gana, aprendi na aula de história que muitos historiadores europeus defendiam a visão de que a África não tinha história. Essa mentira não apenas des-historiza a África, mas também apagou todo o continente das conversas sobre cultura, tradições e valores que muitas vezes estão entrelaçados com a história.” (MOHAMMED, 2022, pg. 4)

Na medida em que moldamos as próximas gerações de acadêmicos e profissionais, seguindo a perspectiva da autora, precisamos descolonizar ativamente a pedagogia estruturalmente para o caminho da descentralização de sistemas de conhecimento historicamente marginalizados. A pesquisa de Mohammed (2022) se assemelha com a de Ganter e Ortega (2019) no sentido de buscar a evolução futura do campo da Mídia e Comunicação, uma vez que a desocidentalização, por si só, não promove todo o movimento necessário para diversificar as referências e bases do campo. Ainda segundo Mohammed (2022), epistemologias orais, conhecimento produzido fora da academia na forma de postagens em blogs, artigos de opinião, vídeos explicativos, etc, precisam ser validados e utilizados no processo de educação. Nesse ponto, apesar dos materiais de divulgação informais de diferentes saberes não possuírem uma estrutura consagrada e aceita no meio científico, poderiam ser atribuídos em debates e conversas que acontecem na academia sobre tópicos da mídia para enriquecer a experiência de aprendizagem dos alunos e promover uma maior abertura na produção de conhecimento enquanto acadêmicos.

Independentemente das vertentes de defesa sobre a melhor forma de desocidentalizar o campo, podemos perceber que a contribuição de Mohammed (2022) e Ganter e Ortega (2019) possibilita produções científicas futuras para combater estigmas do campo e, por consequência, trazer para o futuro camadas maiores de conhecimento que façam com que pautas descentralizadoras ocupem a maior parcela da energia intelectual dos estudantes.

REFERÊNCIAS

Ganter, S. A., & Ortega, F. (2019). The invisibility of Latin American scholarship in European media and communication studies: Challenges and opportunities of de-westernization and academic cosmopolitanism. International Journal of Communication, 13, 68–91.

Mohammed, W. F. (2022). Dismantling the Western Canon in Media Studies. Communication Theory, 32(2), 273-280.

* Luiz Otávio Prendin Costa é bacharel em Comunicação Organizacional pela UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) e Analista de Projetos Sociais na Liga Paranaense de Combate ao Câncer. Seus principais interesses de pesquisa incluem governança política de mídia na era digital, métodos quantitativos e assimetrias da produção científica internacional em comunicação.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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