O papel dos jornalistas e dos algoritmos na seleção das notícias e sua repercussão na confiança no noticiário das mídias tradicionais e sociais
Por Diogo Rodrigues Manassés*
Publicado na revista Journalism, o artigo “Social media algorithmic versus professional journalists’ news selection: Effects of gate keeping on traditional and social media news trust” foi escrito por três pesquisadores: Rebecca Scheffauer, Manuel Goyanes e Homero Gil de Zúñiga. Os autores partem de três situações: seleção de notícias, confiança no noticiário e tipo de mídia.
Na seleção de notícias, contrapõem o trabalho jornalístico humano aos algoritmos. A seleção pelos jornalistas corresponde à teoria do gatekeeping, pela qual, de acordo com a literatura, cabe a esses profissionais proteger o seu trabalho de interesses externos (governamentais ou privados) e, assim, salvaguardar a própria democracia a partir de suas decisões sobre o que e como algo é noticiado.
Diversamente, quando são os algoritmos que promovem a seleção, a escolha se dá a partir de preferências comportamentais pretéritas (próprias ou do círculo de amizade) relativamente nebulosas, ao invés dos valores-notícias empregados como norte pelo jornalismo.
Quanto ao tipo de mídia, para além da distinção entre a mídia em geral e a mídia de notícias, os autores opõem as mídias tradicionais (jornais impressos, noticiário televisivo, sites etc.) às sociais (Facebook, Twitter etc.). A confiança no noticiário foi objeto de estudo a partir das duas outras situações.
O objetivo dos autores foi investigar como a preferência pela seleção algorítmica se relaciona à confiança no noticiário das mídias tradicionais e à confiança no noticiário das mídias sociais. Partindo do cenário estadunidense de polarização ideológica e partidária, assim como do descrédito e da desconfiança por parcela da população do noticiário e do trabalho jornalístico, a relevância da pesquisa se revela em dois aspectos. Primeiro, na compreensão de que essa relação (preferência-confiança) impacta no consumo e na disseminação de notícias – sobretudo considerando o potencial de propagação de desinformação e fake news –, o que reverbera no comportamento eleitoral dos cidadãos e pode levar ao aumento da polarização. Segundo, na percepção de que reduzir a confiança no trabalho jornalístico implica colocar em risco o quanto os cidadãos estão informados, o que, por via de consequência, põe em risco a própria democracia.
A pesquisa usou dados obtidos pela IPSOS a partir de um projeto mais amplo acerca do uso da mídia. As variáveis de interesse foram a preferência (pela seleção algorítmica e pela seleção humana) e a confiança no noticiário (da mídia tradicional e das mídias sociais). As variáveis de controle foram: demográficas (idade, gênero, escolaridade, renda familiar e raça), uso das mídias (sociais e tradicionais no geral, sociais também quanto ao noticiário), interesse político, discussão política, conhecimento político, partidarismo (identificação e intensidade) e tamanho da rede de contatos.
Em viés quantitativo, os pesquisadores submeteram centenas de milhares de pessoas, em dois momentos, a responder a como se encaixavam em cada variável. Scheffauer, Goyanes e de Zúñiga reconheceram, contudo, as limitações de seu trabalho, seja pela falibilidade do método de coleta de dados (relato da auto-observação e surveys), pela possível lacuna no conhecimento das pessoas submetidas acerca de algoritmos (como funcionam, seus efeitos etc.) ou pela potencial interpretação divergente sobre o significado das notícias.
A partir dos dados obtidos, os autores concluíram que a preferência pela seleção jornalística do noticiário fomenta a confiança tanto nas mídias tradicionais quanto nas mídias sociais. Aqueles que consomem mais o noticiário tradicional e preferem a seleção humana demonstraram maior confiança na mídia tradicional de notícias e nas mídias sociais (no segundo caso, acompanhando o trabalho de determinados profissionais, por exemplo) do que os que consomem menos.
Quanto à preferência pela seleção algorítmica, não houve resultados significativos relativamente à confiança no noticiário tradicional e eles foram pouco expressivos relativamente à confiança nas notícias encontradas nas mídias sociais. Além disso, em que pese o crescimento dos algoritmos na escolha do noticiário – o que é indiferente para muitos usuários –, o trabalho jornalístico ainda é decisivo na confiança em relação ao que é noticiado na mídia tradicional e nas mídias sociais. Se o que é noticiado por jornalistas tem mais credibilidade, isso reforça a relevância dos profissionais para a garantia da cidadania bem informada e, assim, de uma democracia sólida.
Referência:
SCHEFFAUER, Rebecca; GOYANES, Manuel; ZÚÑIGA, Homero Gil de. Social media algorithmic versus professional journalists’ news selection: effects of gate keeping on traditional and social media news trust. Journalism.
* Diogo Rodrigues Manassés é Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), na linha de Ética e Filosofia Política, e Bacharel em Direito pela mesma instituição. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2919893550114050.
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