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O capital do Norte Global na trajetória acadêmica de pesquisadores do Sul

Por Naiza Comel*

É a partir de Bourdieu que Marton Demeter pesquisa a carreira acadêmica de 426 pesquisadores em estudos de comunicação do Sul Global. O artigo “So Far, Yet So Close: International Career Paths of Communication Scholars From the Global South” foi publicado pelo International Journal of Communication em 2019.

É interessante mencionar, antes de passar propriamente à discussão deste artigo, que as assimetrias de produção acadêmica são tema recorrente na produção de Demeter, a exemplo de  “The World-Systemic Dynamics of Knowledge Production: The Distribution of Transnational Academic Capital in the Social Sciences” (2019), “Academic Knowledge Production and the Global South: Questioning Inequality and Under-representation” (2020),  e “Theorizing international inequalities in communication and media studies. A field theory approach” (2019). Desta forma, outros trabalhos do pesquisador podem ser fontes de futuras pesquisas sobre o tema.

Retornando ao artigo aqui discutido, Demeter (2019) organiza o debate teórico em torno de conceitos desenvolvidos por Bourdieu: campo, habitus e capital. A fim de sintetizar a discussão apresentada, pode-se dizer o pesquisador considera que os esforços para desocidentalização da pesquisa em comunicação são um bom exemplo de movimento de luta no campo.

Nesse comentário, considera-se relevante destacar o segundo conceito. Como explica Demeter (2019, p. 578), “ao participar desse jogo, os cientistas internalizam as regras existentes no campo e as transformam em hábitos internos, ou, como chamou Bourdieu, habitus”. E, nesse sentido, a mobilidade dos pesquisadores é um fator importante no desenvolvimento de suas carreiras, que afeta outros “hábitos”, como de publicações. A formação ocupa um espaço essencial para o habitus e pode levar pesquisadores do Sul Global a incorporar as “regras” do Norte Global por meio da mobilidade.

O capital, defende ainda Demeter (2019), também está diretamente relacionado com a mobilidade. Pesquisadores do Sul Global que buscam o Norte Global para sua formação mais inicial na academia, como mestrado e doutorado, têm chances muito maiores de conquistarem espaço (como em pós-doutorados e mesmo em publicações) do que os oriundos dos países emergentes, por exemplo. Além disso, lembra o pesquisador, capital acadêmico pode ser convertido em capital econômico.

A partir desse debate teórico, são apresentadas duas hipóteses: H1: O campo de forças atrairá autores do Sul Global para o Norte Global; portanto, em termos de capital acadêmico (na forma de graus, bolsas de pós-doutorado e artigos em coautoria), eles serão bastante semelhantes aos seus pares do Norte Global. H2: Como resultado do crescente capital do Sul Global na forma de editoras e periódicos indexados, campos de forças alternativos poderiam surgir no Sul Global.

Os resultados confirmam a primeira hipótese. Ter capital acadêmico do Norte Global aumentou muito a chance de ser publicado nos principais periódicos de comunicação: quase 85% dos autores do Sul Global que assinam trabalhos em revistas de primeira linha tem algum capital do Norte Global – educação, coautoria com pesquisadores do Norte Global e até afiliações a instituições destes países. Sobre a parceria com pesquisadores do Norte Global, um dado é de que mais de 63% da amostra dos autores do Sul Global tinha coautoria de pesquisadores do Norte.

Demeter (2019) verificou ainda que em alguns periódicos não foram encontrados trabalhos de autoria “pura” do Sul Global. Outro resultado interessante da análise das carreiras é o de que se pesquisadores do Sul iniciarem seu caminho acadêmico no Norte provavelmente permanecerão lá durante toda a sua formação e mesmo depois. Um exemplo: a maioria dos autores do Sul (66,4%) foi para uma posição de pós-doutorado em instituições do Norte Global depois de terminar seus estudos de doutorado em uma universidade do Norte.  

Com relação à segunda hipótese, Demeter (2019) indica que ela foi confirmada visto que alguns campos de forças alternativos surgem, apesar de todas as regiões do mundo e a maioria dos países apresentarem ligações diretas com os Estados Unidos. O pesquisador identifica dois grupos “alternativos”: 1) o “latino”, composto por Espanha e muitos países da América do Sul e Central, incluindo Chile, Brasil, Colômbia, México, Argentina, Venezuela, Equador, El Salvador e República Dominicana; 2) o “asiático”, com a China, Taiwan, Coréia, Cingapura e Hong Kong.

Avalia-se que o artigo traz importantes contribuições ao se concentrar na carreira acadêmica de pesquisadores, permitindo uma análise da desocidentalização por uma perspectiva interessante e que pode promover novos debates. Uma das conclusões do autor demonstra a contribuição do artigo: quanto mais os pesquisadores do Sul forem bem sucedidos, mais eles se assemelham aos seus colegas do Norte. Assim, a esta “desocidentalização” do campo não resulta na valorização do capital do Sul. “Pelo contrário, a desocidentalização pode ser concebida como a ocidentalização dos autores GS [do Sul global] mais talentosos por meio de educação GN [do Norte Global], experiência de trabalho GN e até afiliações GN” (DEMETER, 2019, p. 598).

REFERÊNCIA

Demeter, M. (2019). So far, yet so close: International career paths of communication scholars from the global south. International Journal of Communication, 13, 578–602.

*Doutoranda e mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Integra o Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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