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Adversarialidade nos Editoriais: um outro olhar para a atuação política dos jornais

Por Paulo Ferracioli*

Parece ser uma opinião difundida que algumas empresas de comunicação não apoiavam as candidaturas do Partido dos Trabalhadores (PT) e atuam como “oposição” ao partido. No entanto, é papel da pesquisa científica verificar de maneira embasada se essa suposta desavença existiu e como foi operacionalizada. Esse é o papel do artigo “From ‘Leftist’ To ‘President’: Journalism and Editorial Coverage of Brazil’s Lula in Five Elections”, que busca investigar de que maneira o ex-presidente Lula foi retratado pelo jornal O Estado de S. Paulo ao longo das cinco campanhas à presidência de que participou: de 1989 até 2006. 

A pesquisa se insere em uma linha de investigação dedicada a investigar a atuação política dos jornais por meio dos editoriais, ou seja, nos textos de opinião não assinados que representam a posição da empresa de comunicação. A escolha de O Estado de S. Paulo representa, assim, um acerto por ser um grupo reconhecido como conservador e ligado à elite econômica do estado mais rico do país. Características que parecem perfeitas para se opor à agremiação que esteve no comando do país entre 2003 e 2016, o que a torna uma ótima escolha para averiguar se realmente houve a postura adversária.

Um diferencial importante do artigo é seu foco quanti e qualitativo: por meio da análise de conteúdo, os autores puderam criar categorias para enquadrar os textos, bem como fazer inferências sobre seu conteúdo. Assim, ao mesmo tempo em que aponta o aumento expressivo de editoriais sobre Lula nesses quase 20 anos, o artigo também consegue analisar os termos utilizados e as principais mensagens dos textos. Nesse aspecto metodológico, a utilização do software Iramuteq para construir dendogramas e análises de similitude é um diferencial por retirar subjetividade que poderiam atrapalhar a análise e também padronizar a interpretação dos dados.

A investigação parte da hipótese de que os editoriais do jornal escolhido adotariam sempre uma postura adversária em face do candidato Luis Inácio Lula da Silva, com alterações decorrentes das percepções de suas chances de vencer o pleito. Essa hipótese foi confirmada pelos dados encontrados. Mais do que a confirmação, é importante verificar as nuances trazidas pela análise de conteúdo executada de maneira sistematizada.

O artigo se destaca, portanto, por mostrar de maneira detalhada como em cada eleição a abordagem de O Estado de S. Paulo foi construída de maneira diversa. Em 1989, o petista recebeu menos menções do que o também candidato Leonel Brizola. Em suas aparições, contudo, sempre foi retratado como “esquerdista”, “radical” e ligado à ideia de “caos”. Já em 1994, na disputa com Fernando Henrique Cardoso, que havia participado do Plano Real quando era ministro da Economia, os editoriais opuseram Fernando Henrique como “governo” e Lula como apenas “candidato”. Na eleição sequente, em 1998, na qual foram protagonistas esses mesmos políticos, os editoriais sobre Lula continuaram apontando a desconfiança com as pautas econômicas defendidas pelo ex-sindicalista (mas já não havia mais a atribuição do adjetivo “esquerdista”).

Em 2002 o contexto era diferente: Lula liderou as pesquisas ao longo de vários meses e foi enfim eleito ao cargo. Nesse pleito, o jornal considera em seus textos que o candidato pode ganhar, porém não em virtude dos seus méritos, mas da mudança em sua imagem promovida pela equipe de marketing. Por fim, em 2006, quando buscava reeleição, Lula ainda era apontado como “candidato” pelo jornal, que criticava ações do governo por entender que serviam exclusivamente aos propósitos de renovar o mandato. Como escândalos de corrupção já haviam sido denunciados no âmbito da administração, esse termo também foi recorrente no jornal ao abordar o candidato.

Somente uma análise realizada com base em critérios fixos poderia constatar a hipótese levantada, o que foi feito nesse artigo e pode contribuir para uma discussão sobre atuação política de jornais e outras empresas de comunicação brasileira, que ainda carece de argumentos embasados em investigações empíricas sérias. No texto, os autores demonstram que os termos mais recorrentes utilizados pelo jornal para se referir a Lula foram negativos e também de que maneira transmite sua mensagem mesmo quando não utiliza palavras claramente negativas. Por exemplo, a menção a “Sr” antes do nome do candidato é uma maneira irônica de demonstrar o desacordo dos jornais com o então candidato.

Os pesquisadores apontam para outra característica importante da cobertura editorial de O Estado de S. Paulo, qual seja, a de que houve sim uma mudança nos temas abordados pelo grupo de comunicação ao tratar de Lula: nas primeiras eleições as preocupações econômicas eram recorrentes, ao passo que em 2006 a moralidade e a corrupção dominavam os editoriais. Por mais que o tom seja negativo, as estratégias utilizadas foram diferentes em cada pleito, o que evidencia como a atuação política dos jornais em seus editoriais não é estanque ao longo das décadas. Apontar essas particularidades é o papel da pesquisa sobre editoriais, cuja importância é tão relevante quanto aquela que se volta para os conteúdos noticiosos. Embora ainda não desfrute da mesma atenção dos pesquisadores da área da comunicação política, esse campo tem se consolidado e possui lacunas que aguardam para serem sanadas, se somando a investigações como a retratada nesse artigo. 

REFERÊNCIA

NAVA, Mariane; MARQUES, Francisco Paulo Jamil. From “Leftist” To “President”: Journalism and Editorial Coverage of Brazil’s Lula in Five Elections. Journalism Practice, v. 13, n. 10, p. 1–22, 2019.

* Paulo Ferracioli é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Comunicação pela mesma instituição. Jornalista e advogado, é também integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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