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Critérios de editorialidade: por que os jornais defendem o que defendem?

Por Gisele Barão da Silva*

Conflito, proximidade, tragédia, curiosidade, hierarquia, novidade, relevância. Quem estuda Jornalismo conhece essas características clássicas definidas como valores-notícia. Elas orientam jornalistas em seu processo produtivo e ajudam a definir o que deveria ou não ser divulgado ao público. No entanto, esses critérios foram pensados para a seção noticiosa dos jornais. Se voltarmos nosso olhar para os editoriais – textos nos quais as empresas jornalísticas expressam opiniões sobre temas de relevância política, econômica e social – veremos que estes parecem seguir outras orientações. Nesse espaço, os jornais não pretendem atender diretamente aos interesses dos leitores, e sim às políticas internas da redação. Isso significa que os editoriais têm seus próprios “critérios de noticiabilidade”? Como poderíamos descrevê-los?

Essa é a proposta teórica inovadora do artigo “What are newspaper editorials interested in? Understanding the idea of criteria of editorial-worthiness”, de autoria de Jamil Marques, professor e pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Camila Mont’Alverne, doutora em Ciência Política pela UFPR e pesquisadora do Reuters Institute for the Study of Journalism, na Universidade de Oxford. Publicado em 2019 na revista Journalism, um dos mais importantes periódicos da área, o artigo discute quais seriam os elementos determinantes na construção de posições editoriais.

O campo do Jornalismo tem amplos estudos sobre fatores influentes na construção das notícias. Por outro lado, reflexões sobre as rotinas de produção de textos opinativos, especialmente os editoriais, são menos comuns. O estudo se debruça justamente sobre essa lacuna teórica. Diante da falta de trabalhos sistematizados sobre tal aspecto da produção jornalística, Marques e Mont’Alverne defendem a importância do conceito de “critérios de editorialidade”, e propõem uma taxonomia dos elementos considerados na definição das opiniões institucionais das organizações jornalísticas.

A relevância da proposta está justamente na percepção da impossibilidade de se aplicar a mesma classificação a diferentes gêneros jornalísticos – neste caso, noticiário e seção opinativa. Desse modo, dá o pontapé inicial para que outras pesquisas também desenvolvam o conceito, de olho na necessidade de descrever as influências às quais os editoriais dos jornais estão sujeitos.

Entre as referências teóricas do argumento aparecem tanto as perspectivas sociológicas da construção da notícia, como os estudos de Michael Schudson, quanto as pesquisas sobre o funcionamento interno dos jornais, centralizadas em autores como Warren Breed, que discutiu o controle social das redações na década de 1950. Também ajudam a embasar o debate teórico a proposta pioneira de classificação de valores-notícia apresentada por Galtung e Ruge (1965) e os estudos posteriores, representados por autores como Gans (1979) e Golding e Elliot (1979).

O trabalho passa ainda por referências mais recentes como Cook (2013), Hallock (2007), Meltzer (2007), Hanitzsch e Vos (2017) e Harcup and O’Neill (2016). O artigo representa um passo adiante do que buscaram pesquisadores como Firmstone (2008) – que chegou a estudar rotinas de produção editorial, embora não tenha detalhado quais critérios inspiram tais decisões.

A categorização proposta

A proposta de categorização apresentada por Marques e Mont’Alverne divide-se em dois grupos: o primeiro inclui elementos contextuais que ajudam a determinar o valor dos acontecimentos; e o outro refere-se especificamente aos chamados “valores editoriais”, ou seja, elementos mais facilmente observáveis em uma análise dos textos em si.

Nesses dois grupos, aparecem fatores como a identidade do jornal; divergências internas entre os profissionais; tempo de pesquisa para o tema escolhido; eventuais colaborações externas na produção dos textos opinativos; o grau de autonomia dos editorialistas; a expectativa do público; a competição com outras empresas jornalísticas; a disponibilidade de fontes para consulta sobre o tema escolhido; questões que envolvem a Economia Política do Jornalismo e cultura jornalística. Para além disso, o contexto de determinada época; os sujeitos que estão no poder; o paralelismo; a relevância e alcance do assunto; o conflito e o “humor” momentâneo do jornal – os posicionamentos variam com o tempo – são outros critérios importantes na tomada das decisões sobre os editoriais.

Para finalizar, o artigo oferece uma proposta de agenda de pesquisa empírica sobre os critérios de editorialidade. Ou seja, os autores conseguem lançar luz sobre um problema teórico do campo e oferecer ferramentas para que investigações futuras possam testar a eficácia das categorias propostas. Nesse aspecto, diversas perguntas ainda podem ser respondidas, como as possíveis interferências do campo político ou do próprio mercado jornalístico sobre as rotinas de produção editorial; e se os critérios se manifestam em outros tipos de empresas de comunicação, como emissoras de televisão e rádio.

Se o tema te interessou, vale ler também o artigo “O jornalista entre a profissão e a empresa: valores e rotinas na produção de editoriais da Folha de S. Paulo”, publicado em 2018 na revista da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). Nele, Jamil Marques, Camila Mont’Alverne e Ester Athanásio analisam, a partir de entrevistas com editorialistas, os modos pelos quais os posicionamentos da Folha de S. Paulo são construídos.

REFERÊNCIA

MARQUES, F. P. J. A.; MONT’ALVERNE, C. What are newspaper editorials interested in? Understanding the idea of criteria of editorial-worthiness. Journalism, v. 1, p. 1-19, 2019.

REFERÊNCIA COMPLEMENTAR

MONT’ALVERNE, C.; ATHANÁSIO, E.; MARQUES, F. P. J. A. O jornalista entre a profissão e a empresa: valores e rotinas na produção de editoriais da Folha de S. Paulo. Brazilian Journalism Research, v.14, n.3, p. 400-427, 2018.

*Gisele é doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisadora do PONTE e jornalista da E-Paraná.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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