skip to Main Content

Dissertação buscou identificar a imagem de Lula construída pelos editoriais do jornal O Estado de S. Paulo durante as campanhas presidenciais

Por Mariane Nava*

A dissertação “A imagem de Lula construída pelos editoriais do jornal O Estado de S. Paulo durante as campanhas presidenciais de 1989 a 2006”, defendida em 2017, surgiu da curiosidade em saber como um jornal sustenta sua posição política em um momento tão importante para a democracia que é o período eleitoral.

Apesar da dúvida ser relativamente simples, quando se estuda o campo do jornalismo percebe-se que existem inúmeros fatores (sociais, econômicos, políticos e da deontologia da profissão) que tornam tais decisões mais complexas. O que se percebe é que ambas as esferas (econômica e política) coexistem no jornal, orientadas pelas diretrizes do fazer jornalismo. Relação que não deixa de perpassar a opinião pública, uma baliza da posição do periódico e um dos elementos legitimadores do lugar de fala dos jornalistas.

Ao considerar a complexidade do fazer jornalismo e, principalmente, de assumir uma posição política, esta pesquisa olha para a relação entre o jornal O Estado de S. Paulo (OESP) e Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores-PT). Especificamente, os editoriais publicados durante as campanhas eleitorais de 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006 e que citaram o Lula. Essa escolha de pesquisa visa observar o cenário do posicionamento político de um jornal conservador frente ao candidato de esquerda, buscando perceber as estratégias adotadas para reforçar sua posição política. É preciso salientar que o jornal não pode adotar uma postura sem uma base argumentativa convincente. Por isso, a escolha de pesquisar essa “oposição” se torna enriquecedora, visto que o responsável pelos textos editoriais precisa encontrar elementos que ajudem a reforçar tal opinião baseando-se em dados.

Partiu-se da hipótese que OESP faz uso de seu papel como ator político ao construir a imagem pública de Lula orientada segundo os interesses do jornal. Assim, ao posicionar-se, o Jornalismo evidenciar-se-ia como influenciador da discussão. E para perceber esse processo, a pesquisa adota procedimentos da análise de conteúdo nesses editoriais visando observar a imagem pública construída.

O material que constitui o corpus foi obtido no acervo on-line do jornal e totaliza 181 editoriais, o qual foi analisado com a ajuda do software Iramuteq. Um programa aberto que fornece alguns tipos de análise, das quais foram utilizadas:

 1) Análise de Classificação Hierárquica Descendente: essa análise separou as palavras em grupos, demonstrando quais palavras foram utilizadas no mesmo contexto e como os grupos se relacionavam entre si. Essa análise permite fornecer uma percepção sobre as principais linhas de pensamento expressas nos textos.

2) Análise de Similitude: essa segunda análise é uma espécie de aprofundamento da primeira. A partir da seleção de uma palavra é possível observar como ela se relaciona com outras utilizadas no mesmo contexto, refinando a linha de pensamento expressa na análise anterior.

3) Nuvem de palavras: por fim, essa análise é de caráter gráfico e expressa a “importância” das palavras dentro do grupo, proporcionalmente às demais.

Essas três análises permitiram esmiuçar os raciocínios publicados pelo OESP e que ajudaram a compor a imagem pública do candidato. O conjunto de observações compõe a 3ª parte do trabalho (Resultados), antecedidas pela discussão teórica e pela metodologia. A primeira parte aborda o Jornalismo como arena de debate ao servir de intermediário das informações, e, simultaneamente, como ator político ao selecionar o conteúdo de acordo com os interesses políticos da organização. A segunda parte detalha o uso do software e as estratégias metodológicas e, por fim, são apresentados os dados e os resultados do estudo.

As descobertas fundamentais da dissertação demonstram que Lula foi caracterizado como o esquerdista em 1989, o adversário em 1994, o oposicionista em 1998, o eleito em 2002 e o presidente em 2006. Tais denominações foram derivadas das ideias que o OESP expressou sobre o candidato. Em 1989, em um contexto de recente “ameaça comunista”, a esquerda foi associada ao comunismo, a bagunça e a desordem. Tal imagem era assustadora para a classe conservadora, por isso, adotou-se a estratégia de enfatizar que Lula era de esquerda. Votar em Fernando Collor (PRN) era a melhor opção para o país, frente a possibilidade de ideias comunistas e ameaça aos valores conservadores. Para alcançar essa ideia, OESP associava Lula aos protestos sindicais, aos agitados sociais trabalhistas e situações incômodas à classe empresarial.

Já em 1994, o jornal caracteriza Lula como o “adversário” do candidato à presidência do Brasil, visto que os planos econômicos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) sinalizavam esperança para a economia brasileira, arrasada na época.  Dessa forma, Lula era mencionado em um contexto de “entrave” ao possível progresso que o Brasil faria nas mãos de FHC. Além disso, o jornal fazia questão de citar a formação educacional e familiar do tucano, outra característica que superava o petista aos olhos do jornal. Novamente fica claro o reforço dos valores conservadores como pano de fundo para justificar que Lula não seria um bom presidente. Em 98, a situação foi bastante semelhante à 94, mas, Lula ganha o caráter de “oposicionista” às benfeitorias de FHC. Disseminava-se a ideia de que ele acabaria (ou prejudicaria) o plano Real, principal motor da campanha e do governo de FHC.

O cenário mudou em 2002, quando Lula adotou uma postura mais centralizada e menos combativa. Nesse contexto, o jornal já encara a possibilidade da vitória do petista, mas, não deixa de criticá-lo e reforçar a desconfiança de tal mudança ser apenas estratégia política. Por fim, em 2006, o candidato é abordado a partir das ações enquanto presidente, OESP “cutuca” suas decisões, mas, não pode deixar de levar em consideração o índice de aprovação de Lula, apesar dos escândalos políticos que também entram em pauta.

A imagem construída de Lula a partir do OESP reflete a transformação do próprio candidato e, principalmente, a postura do jornal frente a tais mudanças. Quadro que reforça a relação que se dá pela interação entre os atores sociais, e, sobretudo a postura do jornal, que embora não tenha deixado de ser conservadora, mede o seu discurso de acordo com o contexto em que está inserida e com os dados que tem à disposição.

REFERÊNCIA

NAVA, Mariane. A Imagem De Lula Construída Pelos Editoriais Do Jornal O Estado De S. Paulo Durante As Campanhas Presidenciais De 1989 A 2006. 2017. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Federal do Paraná.

* Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), atualmente é doutoranda em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde integra o grupo de pesquisa ObjETHOS, a equipe da revista Estudo em Jornalismo e Mídia, além da pesquisa recém lançada sobre o Perfil do Jornalista Brasileiro (2021). Colabora ainda com o Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

Back To Top
Search