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Os sistemas de mídia para McCargo e Voltmer: um olhar sobre dois capítulos de Comparing Media Systems Beyond the Western World

A importância dos estudos de Sistemas de Mídia pode ser comprovada de diversas formas. Um exemplo disso são estudos relacionados ao tema, surgidos dentro dessa atual crise sanitária que enfrentamos com a Covid-19, que se propõem a explicar as consequências comunicacionais e democráticas do consumo de notícias sobre a pandemia, ou ainda, estudos regionais que se propõe a analisar a relação entre mídia e política, o paralelismo e a imprensa local. Enfim, são diversos os exemplos.

Uma das principais obras da fundamentação teórica dos sistemas de mídia é “Comparing Media Systems: three models of media and politics”, escrita por Daniel Hallin e Paolo Mancini. Logo após seu lançamento, a obra foi alvo de críticas pela comunidade acadêmica, por centralizar o pensamento de sistemas de mídia nos modelos europeu e americano, e ser pouco adaptável para estudos de outras regiões, como América do Sul e Ásia, por exemplo.

Os autores compreenderam a lacuna em sua pesquisa e publicaram, como organizadores, “Comparing media systems beyond the Western world”, em 2012. Esse segundo livro conta com capítulos que tratam de regiões do globo como a Ásia e a América do Sul. Esta resenha se propõe a analisar dois capítulos desse livro, que são também importantes textos dos estudos de sistemas de mídia: “Partisan Polyvalence: characterizing the political role of Asian media”, de Duncan McCargo, e “How far can media systems travel? Applying Hallin and Mancini’s comparative framework outsite the western world”, de Katrin Voltmer.

McCargo é professor de ciência política na Universidade de Copenhague (Dinamarca) e diretor do Nordic Institute of Asian Studies e inicia seu texto falando sobre os perigos da generalização nos estudos de mídia. Para o autor, teorias como” Four Theories of the Press” (Siebert, Peterson e Schramm, 1956) partem de um único ponto, o liberalismo clássico, e estão muito enraizadas em um entendimento norte-americano de como o mundo funciona. “Comparing Media Systems” vai além desses entendimentos simplistas e abraça outros países também (Europa); porém, ainda assim não pode ser aplicada nas regiões que ficaram fora de seu escopo. McCargo cita que, em seu trabalho, analisando os sistemas de mídia na Ásia, ele sempre se manteve contrário a modelos e categorizações. Para ele, jornais e emissoras em países como a Indonésia e a Tailândia têm uma capacidade de renovação camaleônica surpreendente, adaptando-se conforme a conjuntura – por isso, sua ênfase é sempre na agência, e não na estrutura. O autor usa a Tailândia como principal país de estudo em seu texto, mas cita também exemplos de outros países asiáticos, como Indonésia e Japão. McCargo faz uma descrição da mídia nos países asiáticos que estuda, utilizando como base os 4 parâmetros de comparação criados por Hallin e Mancini, mas modificando-os de acordo com sua própria linguagem e necessidades.

McCargo destaca que a proliferação de trabalhos informais dentro da mídia nessas regiões torna a análise ainda mais escorregadia. O autor acredita que essa informalidade, muito presente nos países asiáticos, também é encontrada em outras partes do mundo, inclusive na Europa, e que isso ficou de fora da análise de Hallin e Mancini. Um bom exemplo de como a estrutura de Hallin e Mancini não pode ser aplicada com perfeição nos países asiáticos é o jornal tailandês Thai Rath, o impresso mais vendido na Tailândia, mas que vende apenas 1 milhão de cópias em um país de 64 milhões de habitantes (e isso apenas nos dois dias do mês em que o resultado da loteria aparece no jornal). Parece pouco, porém, temos que pensar fora da “caixa” dos critérios de Hallin e Macini nesse exemplo, pois, na Tailândia, é muito comum que programas de rádio e de televisão leiam o jornal ao vivo ou discutam o conteúdo das colunas, ou seja, o Thai Rath não chega apenas para as pessoas que compram seus exemplares, ele tem um alcance muito maior por meio de outras mídias. Além disso, poucas pessoas compram sua própria cópia de jornal na Tailândia, e um só exemplar de jornal acaba sendo lido por diversos tailandeses. Ou seja, as características próprias do país precisam ser levadas em conta nesse exemplo; do contrário, o estudo poderia concluir que o impresso atinge apenas 1 milhão de habitantes, o que não é verdade.

O autor discute os quatro critérios de Hallin e Mancini durante o texto, exemplificando diferenças quando aplicados na Ásia, e conclui que a maior parte da mídia asiática é caracterizada por diversidade e subdivisões, e muitos dos meios de comunicação não operam como negócios convencionais (alguns são projetos de pessoas influentes, outros estão envolvidos em negócios semilegais ou ilegais). Apesar dessas falhas aparentes, essas organizações também fazem trabalhos construtivos, apoiando causas sociais e políticos progressistas.

Por sua vez, Voltmer, professora de comunicação e democracia na Escola de Mídia e Comunicação da Universidade de Leeds, começa seu capítulo destacando a importância do trabalho de Hallin e Mancini. Segundo a autora, “Comparing Media Systems” fornece um kit de ferramentas necessárias para a compreensão das variações entre sistemas de mídia. No entanto, desde a publicação de Hallin e Mancini, muitos estudos tentaram aplicar esses frameworks em países que não estão no escopo dos autores e acabaram categorizando os Sistemas de mídia de nações em desenvolvimento dentro do modelo Polarized Pluralist, sem levar outras questões em conta. O capítulo começa com uma reconstrução da obra de Hallin e Mancini e com algumas sugestões de aperfeiçoamento; depois, passa a discutir possíveis caminhos e futuros dos Sistemas de Mídia em novas democracias não ocidentais.

Segundo Voltmer, as quatro dimensões descritas por Hallin e Mancini, que constituem diferentes modelos de Sistemas de Mídia, podem ser consideradas como ferramentas universais para descrever a dinâmica da mídia e da política em diferentes contextos. O problema maior em “Comparing Media Systems” é tentar categorizar apenas 3 modelos usando essas 4 ferramentas. Ou seja, embora ela considere universal a aplicabilidade das 4 dimensões, o padrão dessas relações entre dimensões pode assumir diferentes formas – e isso provavelmente expandiria o número de modelos propostos por Hallin e Mancini (apenas 03).

Em tópico sobre convergência, divergência e hibridez, Voltmer comenta que a globalização é uma das principais forças que dirige os sistemas de mídia à convergência. A resposta inicial das mídias à globalização foi produzir conteúdos que pudessem ser consumidos no mundo todo, mas logo perceberam que esses conteúdos precisavam ser adaptáveis de acordo com a cultura de cada lugar. Segundo a autora, o fluxo global de informações do Ocidente muitas vezes leva a uma consciência das tradições e valores existentes no país que recebe esse fluxo e, como consequência, fortalece a demanda por produtos de mídia local. Essa é, para Voltmer, uma das principais explicações do sucesso de Bollywood e Nollywood, por exemplo. Consequentemente, hoje em dia o mercado de mídia nesses países é local e internacional ao mesmo tempo, o que causa um novo “mix”, formas novas de mídia, produtos e práticas.

Outra razão para supormos que as democracias emergentes desenvolvem novos tipos de sistemas de mídia, em vez de simplesmente copiarem os modelos ocidentais, são as trajetórias da própria transição. Ao contrário de outras instituições democráticas, como sistemas eleitorais ou parlamentos, os meios de comunicação não são criados do zero após a mudança de regime; eles são transformações de instituições que carregam consigo as normas e relações de poder do antigo regime. O resultado é uma mistura de estruturas que permanecem com novas estruturas que são adotadas.

McCargo e Voltmer começam seus textos reconhecendo a importância de “Comparing Media Systems” para a pesquisa dos Sistemas de Mídia. Apesar de tecerem críticas aos modelos propostos no estudo, eles fazem questão de ressaltar que a pesquisa de Hallin e Mancini representou uma virada de chave na comunicação política. Ambos os textos, como já comentado na introdução do texto, são capítulos do livro “Comparing Media Systems beyond the western world”, organizado por Hallin e Mancini em 2012.

Uma importante questão é levantada por McCargo e Voltmer: a ideia de que, para serem aplicados nos países que não compreendem o escopo de Hallin e Mancini, os modelos precisariam de mudanças, expansões e adaptações. Para eles, não é possível que modelos baseados em apenas 18 países possam ser aplicados em todos os outros países do mundo. O que ocorre, muitas vezes, nos estudos que tentaram aplicar esses modelos fora dos países utilizados na pesquisa de Hallin e Mancini é uma tentativa de “forçar” uma classificação do Sistema de Mídia dentro do modelo chamado de Polarized Pluralist.

Os autores cumprem muito bem as propostas de seus textos. O texto de Duncan McCargo é especialmente interessante de ler e a sua leitura flui facilmente, mesmo para aqueles que não são da área de sistemas de mídia. A utilização de diversos exemplos, principalmente da Tailândia, faz com que o leitor se interesse pela leitura e em descobrir um pouco mais sobre a mídia dos países abordados.

Outro capítulo de “Comparing Media Systems beyond the western world” que merece destaque aqui e serve de comparação com os dois capítulos comentados é: “The Russian Media Model in the Context of Post-Soviet Dynamics”, de Elena Vartanova. A autora destaca que o contexto cultural e o caráter das instituições sociais russas têm um efeito muito grande sobre os sistemas de mídia e sobre o jornalismo, o que faz com que o país não se encaixe perfeitamente em nenhuma das categorias de Hallin e Mancini.

Segundo a autora, é preciso levar em conta que a Rússia experenciou transformações permanentes nos últimos dois séculos como: transição de uma sociedade agrária e de uma monarquia, para um crescimento do capitalismo; ascensão de um sistema partidário diversificado, porém sob o controle de um governo autoritário (czar); uma revolução socialista, resultando na emergência de um partido Comunista; a perestroika e o colapso da URSS. Como podemos pensar em aplicar um modelo pronto e apriorístico (seguindo outros países como exemplo) em um país tão plural, com uma história cheia de transições políticas? Não parece justo com a Rússia. É preciso pensar a Rússia como Rússia, e em todas suas singularidades. Para Vartanova, a maneira razoável de construir modelos de sistemas de mídia em contextos econômicos e socioculturais divergentes seria não aplicar mecanicamente os modelos de Hallin e Mancini, mas olhar para as peculiaridades produzidas pelos sistemas de mídia e para a interação das variáveis estudadas por Hallin e Mancini dentro de cada nação.

Acredito que o principal aprendizado que podemos levar da leitura dos capítulos de McCargo e Voltmer é a necessidade de considerar as peculiaridades dos sistemas de mídia de cada nação, e, se possível, não aplicar mecanicamente modelos apriorísticos de classificação. Mesmo dentro de um único país, há diversas regiões com diferenças no sistema de mídia. O Brasil é exemplo disso.

REFERÊNCIAS

HALLIN, Daniel. Media System. In: Mazzoleni, G., Barnhurst, K. G., Ikeda, K. I., Maia, R. C., & Wessler, H. (Eds.). The International Encyclopedia of Political Communication. John Wiley & Sons, 2015.

HALLIN, Daniel; MANCINI, Paolo. Comparing media systems beyond the Western world. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.

MCCARGO, Duncan. Partisan polyvalence: Characterizing the political role of Asian media. In: HALLIN, Daniel; MANCINI, Paolo. (Org.). Comparing Media Systems Beyond Western World. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 201–223.

VOLTMER, Katrin. How Far Can Media Systems Travel? Applying Hallin and Mancini’s Comparative Framework Outside the Western World. In: HALLIN, D., P. MANCINI. (Org.). Comparing Media Systems Beyond Western World. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 224-245.

VARTANOVA, Elena. The Russian Media Model in the Context of Post-Soviet Dynamics. In: HALLIN, Daniel; MANCINI, Paolo (Org.). Comparing Media Systems Beyond Western World. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, p. 119-142.

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

MCCARGO, Duncan. Media and Politics in Pacific Asia. London: RoutledgeCurzon, 2003.

MCCARGO, Duncan. Network monarchy and legitimacy crises in Thailand, The Pacific Review, vol. 18, n. 4, p. 499-519, 2005.

MCCARGO, Duncan; PATHMANAND, Ukrist. The Thaksinization of Thailand. Copenhagen: NIAS Press, 2005.

VOLTMER, Katrin. The mass media and the dynamics of political communication in processes of democratization. In: Mass Media and political Communication in New Democracies. London: Routledge, 2006.

VOLTMER, Katrin. Comparing media systems in new democracies: East meets South meets West. Central European Jornal of Communication, n. 1, p. 23-40, 2008.

VOLTMER, Katrin. Comparing media systems in new democracies: East meets South meets West. Central European Jornal of Communication, n. 1, p. 23-40, 2008.

* Júlia Frank de Moura é doutoranda em comunicação na UFPR (Universidade Federal do Paraná), mestra em comunicação pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) e formada em Publicidade e Propaganda pela Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste). E-mail: juliafdmoura@gmail.com.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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