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Fatores Individuais e a Propagação de Misinformation nas Mídias Sociais

Por Felipe Schwarzer Paz*

Em “Identifying the Drivers Behind the Dissemination of Online Misinformation: A Study on Political Attitudes and Individual Characteristics in the Context of Engaging With Misinformation on Social Media”, os autores contribuem para o entendimento sobre a propagação de misinformation.

Assim, Sophie Morosoli, Peter Van Aelst, Edda Humprecht, Anna Staender e Frank Esser procuram responder às seguintes questões: Qual o recorte dos indivíduos que interagem com as misinformation nas redes sociais, e qual o papel de fatores mais ou menos individuais nesse contexto?

O texto tem sua relevância pela forma com que conduz a pesquisa para responder às questões, combinando diferentes tipos de fatores individuais – desde traços de personalidade, orientação política, padrões comportamentais e fatores sociodemográficos – numa amostra ampla que combina diversas populações. Em suma, por ser um estudo com diversos níveis de variáveis e de alcance transnacional, podendo avaliar não só o peso de fatores isolados, mas também suas interações e quais padrões podem se reforçar mutuamente ou mesmo quais combinações são mais predispostas a gerar alguém com a tendência de interagir e propagar misinformation.

A propagação de misinformation é, entre outras coisas, um risco para a democracia. Dessa forma, entender quais pessoas são mais predispostas a propagar e interagir com estas se torna essencial. Para tentar avançar nesse sentido, Morosoli et al. (2022) conduzem um survey transnacional, que busca identificar características individuais que podem contribuir para o fenômeno, isso se utilizando da perspectiva de Van Bavel (2021), que olha para fatores de risco psicológico dos indivíduos, somado a outras variáveis sociodemográficas e comportamentais.

A pesquisa parte da ideia que características pessoais explicam mais a disseminação de misinformation que o conteúdo da mensagem em si. Os autores testam a hipótese elencando as variáveis independentes das mais até as menos permanentes e estruturalmente determinadas. Isto é, das características como gênero, ou cor da pele (menos mutáveis) até características como comportamento nas mídias sociais (mais fluido). Para cada aspecto desenvolvem hipóteses de fatores que aumentam a tendência a propagar desinformação – inclusive preferem, nesse caso, a utilização da misinformation ao invés de disinformation pelo caráter, muitas vezes, pouco evidente com relação à intencionalidade do criador da notícia.

No caso de fatores sociodemográficos elencam o que já se coloca pela literatura, que a idade, gênero e instrução importam, sendo que, quanto mais avançada a idade (hipótese 1.a), se for homem (hipótese 1.b), e quanto menor a instrução (hipótese 1.c) mais provável a interação com as misinformation. Já olhando para os traços de personalidade, temos o que o autor apresenta como fator relevante a dark triad, que se constitui em três traços de personalidade: a psicopatia – que descreve uma falta de empatia e remorso, além de impulsividade e comportamento de buscar o risco -, o narcisismo – que tem relação com sentimentos de dominância, grandiosidade e superioridade, além de uma busca por elevar o próprio ego -, e ‘maquiavelismo’ – que diz respeito a tendências manipuladoras -, sendo que os sentimentos se relacionam pela agressividade, frieza emocional, auto-promoção e comportamento tendencialmente anti-social, de modo que as hipóteses aqui (H-2.a, H-2.b, H-2.c) são de que, quanto mais se possui de cada traço, maior a chance de interagir com misinformation.

Os autores falam ainda de uma possível correlação, já indicada pela literatura, entre conservadorismo e tendências à direita como potenciais indicadores de interação com desinformação, o que é a hipótese seguinte (H-3). Além disso, se coloca como importante as tendências comportamentais mais amplas do indivíduo, que podem gerar interação com a desinformação por meio de um viés de confirmação mais pronunciado e da tentativa de evitar a dissonância cognitiva proveniente de informações que vão de encontro com aquilo que se pratica e acredita, em suma, que contradizem a identidade do sujeito, de modo que a hipótese aqui (H-4) gira em torno da ideia de que, quanto mais alinhada às ações e crenças do indivíduo, maiores as chances da notícia ser indiscriminadamente apoiada e propaganda mesmo sendo falsa. Isso é colocado, também, na hipótese seguinte (H-5) que pensa na relevância da questão que é objeto de misinformation, isto é, a ideia é que, quanto mais importante é a pauta para o indivíduo, maior o peso emocional embutido na notícia, de modo que pode influenciar sua propagação irreflexiva, mesmo que apresente dados inconsistentes sobre a realidade.

Por fim, as últimas hipóteses (H-6.a, H-6.b) dizem respeito ao comportamento individual nas redes sociais, afirmando que, quanto maior a crença do indivíduo na veracidade de informações online, e quanto mais constante e intensivo o uso de redes sociais, maior a tendência a propagar desinformação. Isso porque a confiança aumentada nas notícias online pode aumentar também as chances de propagação destas sem conferir sua veracidade, e quando somamos isso ao uso constante das redes, cada vez menos filtros se aplicam no uso desta, pois se torna algo cada vez mais mecânico e irracional, o compartilhamento deixa de ser uma ação racional e se mantém apenas como ação inteligente (Luhmann, 1996 apud Han, 2022).

A partir destas questões os autores, por meio da empresa Respondi que aplicou o survey para uma amostra de 7000 pessoas (filtradas em 5791 respostas analisadas) em 6 países da Europa, questionando os entrevistados sobre três matérias jornalísticas, cada uma com uma temática (imigração, mudanças climáticas e COVID-19), em que os participantes respondiam sobre os 5 eixos temáticos descritos acima após expostos às matérias, estas que foram criadas para a pesquisa. É importante ressaltar que, para que o teste funcionasse, era dito que a pesquisa era para avaliar a opinião das pessoas acerca de alguns temas e atores políticos e sociais. Os resultados foram analisados a partir de uma regressão multinível, em que os testes de hipóteses foram feitos em etapas com modelos diversos para avaliar suas influências cruzadas entre os diversos fatores, de modo que se pode entender quais características, apesar de sua significância estatística, influenciam o modelo apenas quando na presença de outros aspectos, ou mesmo que perdem sua influência quando algo se apresenta.

Os autores encontram, então, que todas as hipóteses (com exceção da H-2.c, que diz respeito ao maquiavelismo) foram reforçadas com maior ou menor força a depender do cenário, mas o que podemos realmente aprender olhando para os modelos cruzados é que: as características sociodemográficas, apesar de importarem e terem sua influência intensa ainda mais quando olhamos para gênero e instrução, são fortemente afetadas por outros fatores comportamentais mais fluidos.

Temos ainda que os traços de personalidade têm papel fundamental ao avaliar a relação com misinformation, assim como a orientação política apresentou o que se esperava, quanto mais à direita, maior a relação com desinformação, mas o principal é que estas características apresentam sua maior influência quando agregadas a outros fatores, esses sendo a importância da notícia para o indivíduo e quão ligada a matéria é aquilo que os indivíduos já pensam ou praticam. Ou seja, quanto mais a notícia reforça seus vieses acerca da realidade, maior a chance de propagação. Nessa linha, temos que o fator focal de predição do comportamento de propagador das misinformation foi o comportamento nas redes. As influências variaram, também, de acordo com o tema, sendo que a questão da imigração, por exemplo, sofreu mais influência da orientação política, enquanto outras temáticas tiveram influências difusas pelo espectro de variáveis analisadas

Portanto, o que temos como o achado principal é que as características individuais parecem ter influência primordial na propagação das misinformation, tendo mais influência o padrão comportamental do indivíduo que o tema da matéria em si, de modo que podemos apontar que uma medida para frear a propagação de desinformação passa por mirar nos grupos que apresentam maior tendência para interagir com esse tipo de conteúdo.

Isso carece, no entanto, de mais estudos que delimitem melhor um perfil, visto que aqui foram explorados fatores ainda demasiados amplos, sendo um apontamento de qual caminho as pesquisas futuras devem seguir.

Referência:

Morosoli, S., Van Aelst, P., Humprecht, E., Staender, A., & Esser, F. (2022). Identifying the Drivers Behind the Dissemination of Online Misinformation: A Study on Political Attitudes and Individual Characteristics in the Context of Engaging With Misinformation on Social Media. American Behavioral Scientist.

Outras referências:

LUHMANN, N. Tomar decisões na “sociedade da informação”. In: HAN, B. C. Infocracia, digitalização e a crise da democracia. Petrópolis, RJ. Vozes, 2022.

* Graduando em Ciências Sociais, linha de formação em Ciência Política na UFPR. Membro voluntário do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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