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O engano como ponte conceitual nos estudos de Desinformação, Informações parcialmente falsas e Percepções errôneas

Por Rafaela Berger Pereira*

O artigo “Deception as a Bridging Concept in the Study of Disinformation, Misinformation, and Misperceptions: Toward a Holistic Framework” foi publicado na Revista Communication Theory da International Communication Association.

Neste trabalho os autores apontam o engano como uma ponte conceitual com potencial de aprimorar os estudos de Misinformation, Disinformation e Misperceptions. Segundo Chadwick e Stanyer, o conceito de engano é um ponto de conexão entre as intenções dos atores, informação e tendências de comportamentos ou atitudes. O artigo defende que a compreensão das estratégias de engano empregadas com intuito de exercer poder a partir da informação (Misinformation ou Disinformation) é uma forma de enriquecer os estudos a respeito de vieses cognitivos e atitudinais que tornam as pessoas suscetíveis a percepções errôneas.

A proposta de contribuição teórica dos autores é ir além dos estudos descritivos, que não contemplam a influência de informações falsas e enganosas. Para isso, Chadwick e Stanyer identificam os principais temas dos estudos sobre o engano: distorções midiáticas sistêmicas no fornecimento de informação; as interações relacionais que tanto produzem quanto ativam vieses cognitivos; e os atributos, estratégias e técnicas de entidades enganosas. O artigo pode contribuir com futuras pesquisas em virtude da construção de uma tipologia com 10 principais variáveis do engano e seus 57 indicadores focais (Chadwick; Stanyer, 2022, p.15).

O conceito de engano é definido pelos autores como quando há uma intenção prévia identificável de um ator de enganar e esta resulta em efeitos atitudinais e comportamentais correspondentes à intenção identificada. Nesse sentido, eles apontam que recentemente o engano tem sido observado por uma perspectiva que evidencia a agência e as estratégias daqueles que buscam enganar.

Chadwick e Stanyer aderem à perspectiva que distingue os conceitos de misinformation e disinformation, conforme as tendências do campo da comunicação após 2016. Cabe dizer que o marco de 2016, apontado não apenas nessa pesquisa, mas em diversas outras da área da Comunicação Política, é referente aos múltiplos fenômenos comunicacionais associados à ideia de “fake news”, que se desdobraram após as eleições estadunidenses de 2016, quando Donald Trump foi eleito. Segundo os autores, misinformation ou informações parcialmente falsas não são intencionais e podem ou não acidentalmente produzir engano. Enquanto isso, disinformation ou desinformação é intencional e pode ou não propositalmente produzir engano.

Além disso, o artigo se propõe a delinear as principais variáveis e indicadores dos estudos a respeito do engano como ponte conceitual, abordando as intenções, interações, contextos e efeitos relacionados ao engano. Não obstante, a pesquisa também vai além de modelos simplistas e instrumentais dos estudos de propaganda, tratando as particularidades dos sistemas de mídia atuais, que orientam os estudos acerca da disseminação de informações e compartilhamento de conteúdos.

A metodologia desta pesquisa consistiu em incorporar estudos científicos sociais de diferentes áreas do conhecimento a respeito do engano, a fim de avançar cientificamente para a construção de uma estrutura conceitual mais holística. Desse modo, a interdisciplinaridade esteve situada como algo fundante na epistemologia deste estudo. As áreas acionadas por Chadwick e Stanyer foram a comunicação, a ciência política, a psicologia, a economia, os estudos de negócios e a ciência da informação.

A pesquisa tem como principal apontamento a compreensão do engano como ponte conceitual. A ideia de ponte conceitual se caracteriza pela proposição de uma abordagem que associe diferentes perspectivas sobre um mesmo problema, ampliando as possibilidades de elaboração sobre fenômenos e efeitos que convergem em algum ponto. De acordo com os autores, a ponte conceitual sobre o engano pode ter dois sentidos. O primeiro é de uma ponte integrativa entre um foco nas intenções, um foco na informação e um foco no comportamento como efeito. O segundo sentido é de uma ponte que transpõe. Tendo o engano algum aspecto em comum com outros conceitos ele pode viabilizar uma transposição entre insights de outras disciplinas e pesquisas da comunicação.

Um ponto que Chadwick e Stanyer destacam no trabalho são as interações relacionais, que produzem e ativam vieses cognitivos, que tornam indivíduos mais suscetíveis a serem enganados. Os pesquisadores ressaltam que não se trata de um processo simples e linear, ou previsível e determinado pelo contexto, existem sempre contestações e consequências não intencionais. Entretanto, o texto assume que o contexto influencia consideravelmente o quanto algumas pessoas estão suscetíveis a serem enganadas pelo menos em algum momento.

Consoante a isso, as recentes mudanças na lógica de disseminação de informações, especialmente atreladas à velocidade da comunicação nas redes sociais, são abordadas pelo artigo ao situar o engano atualmente como um processo radicalmente descentralizado envolvendo atores com poucos recursos de poder formal ou estrutural, mas que, ainda assim, são capazes de manipular contextos comunicativos, aumentar a visibilidade de um conteúdo e influenciar grandes audiências.

É importante demarcar que são as estratégias de engano que tornam mais confortável a crença em falsas informações ou interpretações. Os autores explicam que conteúdos enganosos podem envolver omissões, mudanças de termos, ambiguidades estratégicas, desvios ou produzir versões condicionais, de que algo aconteceu ou não por determinada condição ou evento associado, e contrafactuais, de que algo não aconteceu, mas poderia ter acontecido. Dessa forma, os indivíduos depositam sua confiança em uma informação ao serem convencidos de que não se trata de uma possibilidade absurda, mas sim de algo plausível em alguma medida.

Além disso, Chadwick e Stanyer enfatizam os apontamentos de estudos anteriores sobre o engano quanto ao processo de seletividade do que será acreditado ou contestado ser estrutural e antecipadamente organizado por atores que ocupam posições de poder, no caso compreendidos como detentores de poder formal.

Por fim, o artigo analisado traz contribuições significativas aos estudos que tratam a disseminação de informações, sejam elas mediadas por meios de comunicação tradicionais, formal e estruturalmente influentes, ou pela comunicação descentralizada nas redes informais. O principal avanço deste estudo é a produção da tipologia das 10 principais variáveis do engano e seus 57 indicadores focais. Entre as variáveis estão os atributos e ações de entidades enganosas, credibilidade de fontes e mensagens, e legitimação do engano como norma comunicativa pública generalizada. A classificação construída pelos autores é extremamente útil para as pesquisas de diversas áreas que se dedicam a entender os desdobramentos do engano a partir de dinâmicas comunicacionais.

Referência

Chadwick, Andrew; Stanyer, James. Deception as a Bridging Concept in the Study of Disinformation, Misinformation, and Misperceptions: Toward a Holistic Framework. Communication Theory, Volume 32, Issue 1, February 2022, 1-24.

* Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Bolsista de Iniciação Científica do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI) e integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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