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Uma tragédia compartilhada: a comunicação política enquanto ferramenta de poder

Por Luiz Otávio Prendin Costa*

            A comunicação política desempenha um papel crucial nas sociedades democráticas, permitindo que os cidadãos se informem, participem do processo político e construam opiniões sobre questões relevantes. No entanto, nos últimos anos, tem-se observado uma crescente preocupação com o estado da comunicação política e seus efeitos sobre o sistema democrático (SCHEUER, 1999; ESSER e PFETSCH, 2004). O artigo “Political Communication as a Tragedy of the Commons”, escrito por Farrer (2022), analisa essa problemática da lente do conceito de “tragédia dos comuns”.

            O conceito de “tragédia dos comuns”, inicialmente proposto por Hardin (1968), descreve a sobreexploração de recursos compartilhados por indivíduos racionais que buscam seus próprios interesses. As fundamentações teóricas da “Tragédia dos Comuns” estão baseadas na ideia de que os indivíduos, agindo de forma racional e auto interessada, buscarão maximizar seus próprios ganhos a curto prazo. Hardin (1968) argumenta que, quando um recurso é compartilhado por muitos usuários, cada um deles tem o incentivo de aumentar sua própria exploração do recurso, pois os benefícios dessa exploração recaem exclusivamente sobre o indivíduo, enquanto os custos são compartilhados por todos. Essa lógica individualista leva a um ciclo vicioso de exploração excessiva e degradação dos recursos comuns. À medida que cada usuário busca maximizar seus próprios ganhos, a demanda pelo recurso aumenta e os benefícios individuais diminuem devido à escassez resultante.

Trazendo o exemplo da “tragédia dos comuns” para o campo da política, a comunicação se tornou uma espécie de “bem comum”, em que várias partes interessadas, incluindo políticos, partidos, grupos de interesse e meios de comunicação, competem pelo espaço e atenção do público (FARRER, 2022). Primeiramente, existe a busca incessante por atenção e visibilidade na era digital. Os políticos e as organizações políticas são impulsionados a adotar estratégias de comunicação cada vez mais extremas e polarizadas para se destacarem em meio ao ruído informativo (HOLTZ-BACHA, 2015). Com isso, é construída uma cultura de confronto e desequilíbrio, onde o debate público é frequentemente dominado por discursos inflamados e processos de desinformação. Relativo à desinformação, vale lembrar que a ascensão das redes sociais e das plataformas de compartilhamento de conteúdo amplificou a disseminação de informações falsas e o surgimento de “bolhas de filtro”, ou as chamadas Echo Chambers (PIAIA et al., 2018). Os algoritmos das plataformas tendem a mostrar aos usuários conteúdos que estão alinhados com suas crenças e opiniões preexistentes, criando um ambiente propício para a propagação de narrativas distorcidas e a polarização do discurso político.

Outro aspecto relevante é a influência dos interesses econômicos na comunicação política (FARRER, 2022; HOLTZ-BACHA, 2015). Grandes conglomerados de mídia, muitas vezes, possuem interesses comerciais e políticos, o que pode levar a uma cobertura tendenciosa e uma falta de pluralidade de vozes na mídia (enquanto meio de transmissão da mensagem) tradicional. Interessante observar que o artigo de Farrer (2022) sobre a comunicação política e a “tragédia dos comuns” nos oferece uma perspectiva crítica sobre o estado atual da comunicação política nas sociedades democráticas. Ao enquadrar a comunicação política como uma “tragédia dos comuns”, o autor destaca os desafios enfrentados pelo sistema democrático diante da polarização, desinformação e busca por atenção. É fundamental reconhecer e abordar esses problemas, a fim de promover uma comunicação política mais saudável e uma participação cidadã informada.

A conscientização sobre os efeitos negativos da “tragédia dos comuns” na comunicação política pode fornecer um ponto de partida para a busca de soluções e reformas necessárias nessa área crucial da sociedade democrática. Em meio a esse processo, a lógica da polarização afetiva e alienação populista, sendo vista como um sintoma dos interesses comerciais e políticos da mídia, é um fenômeno complexo e presente na teoria, e que pode ser visto em diversos contextos políticos (FARRER, 2022).

De maneira breve, a polarização afetiva se refere à divisão emocional intensa entre grupos políticos que têm visões opostas. Isso ocorre quando a identidade política de uma pessoa está tão fortemente ligada a um partido que ela desenvolve uma aversão ou hostilidade em relação ao partido oposto, muitas vezes com base em emoções e preconceitos. Já a alienação populista ocorre quando os eleitores se sentem excluídos ou descontentes com o sistema político estabelecido e seus representantes (HAWKINS, 2009). O populismo enquanto ideologia (HAWKINS, 2009; FERRARI, 2019) é capitalizado por atores políticos (frente a um sentimento de descontentamento de parte do eleitorado), apresentando-se como defensores do “povo comum” contra uma elite política corrupta (tais atores tendem a simplificar questões complexas e oferecer soluções fáceis, prometendo mudanças radicais e a restauração da “voz do povo”).

Nos Estados Unidos, por exemplo, tanto os democratas quanto os republicanos são afetados por esses fenômenos (polarização afetiva e alienação populista), embora de maneiras diferentes. Os democratas, muitas vezes, são associados a uma base eleitoral diversa, incluindo minorias étnicas, mulheres e grupos LGBTQIAP+. Eles tendem a se concentrar em questões sociais progressistas e políticas públicas voltadas para a inclusão social. No entanto, alguns eleitores republicanos podem ver isso como uma ameaça aos valores tradicionais e, consequentemente, desenvolver uma aversão emocional aos Democratas, reforçada por narrativas conservadoras e programas de mídia tendenciosos (SILVA, 2021).

Por outro lado, os republicanos têm uma base eleitoral que geralmente inclui conservadores, cristãos, evangélicos e defensores do livre mercado. Eles enfatizam a segurança nacional, a defesa do direito às armas, a redução de impostos e a desregulamentação. Alguns eleitores democratas podem ver essas posições como prejudiciais para a igualdade social e os direitos civis, gerando também uma polarização afetiva em relação aos Republicanos (SILVA, 2021). Independentemente das características partidárias apresentadas (que podem estar em constante mudança e adaptação), torna-se válido perceber em como ambos os lados ideológicos nos respectivos partidos fomentam um choque de objetivos, apresentando uma impossibilidade de confluência ou, até mesmo, alinhamento partidário em prol da democracia.

Compreender essas tensões entre atores políticos, partidos e movimento democrático juntamente com a lógica de escassez (ao exaurir um recurso natural que seria a comunicação), torna-se um movimento acadêmico complexo e inovador, ao passo que analisa desafios contemporâneos em uma marcha de entendimento frente a sistemas de persuasão e controle da mídia (para beneficiar atores políticos com interesses particulares). Distante de delimitar vestimentas partidárias ou registrar algum posicionamento político, a respectiva discussão textual teve como meta provocar o leitor a respeito de uma área complexa que é a comunicação política e suas particularidades, em meio a uma sociedade cada vez mais informatizada e digital.

Referência principal

FARRER, Benjamin. Political Communication as a Tragedy of the Commons. Political Studies Association, 2022.

Referências complementares

FERRARI, Ana. POPULISTAS NO PODER: A abordagem ideacional aplicada aos governos populistas. São Paulo, 2019.

SILVA, Gregório. FENÔMENO TRUMP: A LÓGICA SE REPETE NO BRASIL?. Teoria & Pesquisa, 2021.

HAWKINS, Kirk. IS CHÁVEZ POPULIST? Measuring populist discourse in comparative perspective. Comparative political studies, 2009.

PIAIA, Thami Covatti; RITTER, Letícia Mousquer; SANGOI, Rafael Martins. Internet, Freedom of Information and the Case of Ideological Echo Chambers. In: Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 2018.

HOLTZ-BACHA, C. Professionalization. In: Mazzoleni, G.; Holtz-Bacha, C. (eds.). The International Encyclopedia of Political Communication. First edition. Hoboken, NJ: Wiley-Blackwell, p. 1237-1241, 2015.

SCHEUER, Jeffrey. The Sound Bite Society: Television and the American Mind. Four Walls Eight Windows, 1999.

ESSER, Frank; PFETSCH, Barbara. Comparing Political Communication: Theories, Cases, and Challenges. Cambridge University Press, 2004.

HARDIN, Garrett. The Tragedy of the Commons. Ciência, Nova Série, vol. 162, nº 3859, pp. 1243-1248, 1968.

*Luiz Otávio Prendin Costa é bacharel em Comunicação Organizacional pela UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), mestrando em Comunicação pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e Analista de Projetos Sociais na Liga Paranaense de Combate ao Câncer.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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