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Do analógico ao digital: repensando o jornalismo

Por Luiz Otávio Prendin Costa* 

O jornalismo, ao longo dos séculos, tem sido um pilar fundamental na construção de sociedades informadas e engajadas. No entanto, as últimas décadas trouxeram desafios sem precedentes para essa instituição crucial, principalmente devido à ascensão do ambiente digital e às mudanças nas dinâmicas de consumo de mídia. Este cenário tem impulsionado uma crise que transcende a simples adaptação tecnológica, apontando para problemas estruturais mais profundos na forma como o jornalismo é financiado, produzido e consumido. À medida que exploramos as complexidades dessa transição e suas implicações para a sociedade, é essencial entender não apenas os obstáculos enfrentados, mas também as oportunidades emergentes que podem remodelar o futuro do jornalismo.

O artigo “Building Better Local Media Systems: A Comparative Policy Discourse Analysis of Initiatives to Renew Journalism Around the World” de Timothy Neff e Victor Pickard aborda a importância das ações para renovar o jornalismo local como forma de melhorar os sistemas de mídia e promover um jornalismo autêntico e civicamente responsável. A relevância desse tema se destaca no contexto atual, onde o jornalismo local desempenha um papel fundamental na sociedade, sendo essencial para garantir informações de qualidade e autonomia para as comunidades.

Neff e Pickard (2023) destacam a necessidade de atualizar as práticas jornalísticas, considerando como os recursos financeiros e as estruturas institucionais podem conectar o jornalismo local às comunidades, promovendo a autonomia, responsabilidade cívica e serviço público (Ananny e Kreiss, 2011). Eles analisam discursos institucionais e lógicas em iniciativas para apoiar o futuro do jornalismo local, examinando como diferentes abordagens podem impactar a qualidade das notícias produzidas e sua relevância para diversas audiências.

Ao comparar iniciativas baseadas em correções de falhas de mercado com aquelas fundamentadas nos princípios dos serviços de comunicação social públicos, os autores ressaltam a importância de missões sociais positivas para produzir notícias de qualidade e promover o envolvimento cívico. Eles enfatizam que as ações para renovar o jornalismo local não apenas visam resolver os desafios atuais, como o surgimento de “desertos de notícias”, mas também têm o potencial de reconstruir sistemas locais de mídia como instituições duradouras com papéis cruciais na democracia. Dessa forma, o estudo de Neff e Pickard (2023) ressalta a necessidade de repensar e fortalecer o jornalismo local, considerando não apenas questões de financiamento e modelos de negócios, mas também a missão social e o impacto das iniciativas políticas na qualidade e relevância das notícias para as comunidades locais e a sociedade em geral.

A crise que permeia o jornalismo contemporâneo, marcada pela transição tumultuada para o digital, aponta para uma reflexão mais profunda sobre a natureza e o papel da mídia na sociedade moderna (Neff e Pickard, 2023). As dificuldades enfrentadas pelas editoras e emissoras tradicionais não são apenas sintomas de uma mudança tecnológica, mas também de um mercado que historicamente falhou em atender às necessidades informativas de todos os segmentos da sociedade. Este cenário sugere uma crise estrutural que vai além da simples adaptação às novas plataformas digitais (Neff e Pickard, 2023).

Essencialmente, o jornalismo é considerado um bem público, caracterizado pela sua capacidade de ser consumido por muitos sem que isso exclua outros ou provoque rivalidade (Ananny e Kreiss, 2011). No entanto, esse aspecto traz desafios significativos na era digital, onde a monetização de conteúdos jornalísticos se torna cada vez mais difícil. A competição por cliques e a fragmentação da audiência têm incentivado práticas que, por vezes, comprometem a qualidade e a integridade das notícias (Martin e McCrain, 2019). Este dilema destaca a necessidade de modelos sustentáveis que não apenas se adaptem ao digital, mas que também preservem os princípios éticos e a responsabilidade social do jornalismo (Neff e Pickard, 2023).

Os subsídios, embora cruciais para apoiar formas de jornalismo que talvez não sejam lucrativas, como o investigativo, introduzem seus próprios desafios. A dependência de subsídios pode levar à produção de conteúdo que favorece interesses particulares, seja de entidades governamentais ou de grandes corporações. Isso levanta questões sobre a independência jornalística e a liberdade editorial, essenciais para a manutenção da confiança pública.

A disrupção causada pela pandemia da Covid-19 e o aumento da influência de fundos de cobertura exacerbaram as pressões financeiras sobre o jornalismo, especialmente o local (Neff e Pickard, 2023). O declínio do jornalismo local é particularmente preocupante, pois ele desempenha um papel fundamental na manutenção de comunidades informadas e engajadas. A ausência de uma cobertura local robusta pode resultar em uma diminuição da accountability governamental e um aumento da polarização política, conforme observado com a disseminação de informações falsas em redes sociais (Martin e McCrain, 2019).

Propostas para revitalizar o jornalismo local por meio de financiamentos privados, subsídios públicos e inovações em modelos de negócios são vitais, mas devem ser abordadas com cautela. A independência jornalística deve ser o pilar dessas iniciativas. Além disso, modelos bem-sucedidos em outras regiões, como os sistemas de comunicação pública nórdicos, oferecem insights valiosos, embora enfrentem seus próprios desafios em ambientes marcados por políticas neoliberais.

A discussão, portanto, se volta para a essencialidade de se repensar o modelo de jornalismo praticado na era digital, não apenas em termos de adaptação tecnológica, mas também na redefinição de seu papel como um pilar da democracia. Esta reflexão implica reconhecer o jornalismo não apenas como um produto comercial, mas como um direito social fundamental que deve ser protegido e sustentado em suas diversas formas.

Referência principal

Neff, T., & Pickard, V. (2023). Building Better Local Media Systems: A Comparative Policy Discourse Analysis of Initiatives to Renew Journalism Around the World. Journalism Studies, 24(15), 1877–1897.

Referências complementares

Ananny, M., & Kreiss, D. (2011). A New Contract for the Press: Copyright, Public Domain Journalism, and Self-Governance in a Digital Age. Critical Studies in Media Communication, 28, 314 – 333.

Martin, G., & McCrain, J. (2019). Local News and National Politics. American Political Science Review, 113, 372 – 384.

* Luiz Otávio Prendin Costa é bacharel em Comunicação Organizacional pela UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), mestrando em Comunicação Política pela UFPR e Analista de Projetos Sociais na Liga Paranaense de Combate ao Câncer. Seus principais interesses de pesquisa incluem governança política de mídia na era digital, métodos quantitativos e assimetrias da produção científica internacional em comunicação.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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