Além de ‘Lulz’ e ‘Guerreiros do Teclado’: explorando a relação entre o trolling e a radicalização
Por Maria Carolina Ferreira Santos*
O artigo “Beyond ‘Lulz’ and ‘Keyboard warriors’:exploring the relationship between trolling and radicalization” foi publicado pela revista acadêmica Information, Communication & Society em janeiro de 2024. Neste estudo, os autores Katy Biddle, Brian Ekdale, Andrew C. High, Ryan Stoldt e Raven Maragh-Lloyd investigam a relação entre trolling na internet e radicalização política, desafiando duas ideias comuns: que os trolls agem apenas pelo prazer de antagonizar e que são apenas irritantes, e a outra que eles não representam uma verdadeira ameaça política.
O texto responde à questão de como o comportamento de trolling na internet se relaciona com a radicalização política. Especificamente, ele investiga se os indivíduos que participam de trolling têm maior probabilidade de adotar ideologias extremistas e como esse processo ocorre.
Sua relevância se dá porque desafia a percepção comum de que o trolling é apenas uma forma de diversão inofensiva ou irritação online e não representa uma verdadeira ameaça política. Ele demonstra que há uma conexão significativa entre trolling e atitudes políticas extremas, particularmente em relação à desigualdade racial. Isso destaca a importância de compreender o trolling como parte de um fenômeno maior de radicalização política, o que tem implicações importantes para a segurança social e política.
Nesse contexto, o trolling pode ser visto como uma forma de comunicação utilizada por grupos radicais para disseminar ideologias extremistas. Por exemplo, os trolls podem usar o humor e a ironia para tornar ideologias extremistas mais atraentes para certos públicos online. Eles podem criar uma estética política em torno dessas ideologias, mesmo que não acreditem nelas sinceramente. Esse tipo de engajamento com ideologias extremistas pode levar a uma forma de capital cultural dentro de comunidades online específicas. Essa linha de pesquisa oferece uma nova perspectiva para entender a relação entre o comportamento online aparentemente inócuo e a adesão a ideologias extremistas.
O estudo fundamentado na teoria do comportamento planejado investiga como as intenções comportamentais das pessoas são formadas por meio de suas atitudes, normas percebidas e controle percebido sobre seu comportamento. A pesquisa explora a relação complexa entre o prazer em trollar, crenças raciais e comportamentos políticos.
Primeiro, os pesquisadores examinaram a associação entre o prazer em trollar e as atitudes em relação à desigualdade racial, propondo que os trolls tendem a ter atitudes politicamente conservadoras e a negar a importância da desigualdade racial. Além disso, o estudo explora se o prazer em trollar está relacionado à intenção das pessoas de se envolverem em comportamentos políticos, tanto ativistas quanto radicais, relacionados às suas crenças sobre raça.
A pesquisa também aborda a possível moderação dos efeitos do prazer em trollar na intenção de se envolver em comportamentos políticos pela percebida importância da questão racial e pelo racismo “cor cega”. O racismo “cor cega” refere-se à negação da existência de racismo estrutural ou sistêmico, ou à minimização de sua importância. A importância percebida da questão racial pode intensificar os efeitos do prazer em trollar na intenção de se envolver em comportamentos políticos, enquanto o racismo “cor cega” pode moderar essa relação de maneiras diferentes, dependendo se os comportamentos são ativistas ou radicais.
As hipóteses do estudo são as seguintes:
H1: O prazer em comportamentos de trolling está positivamente associado ao racismo “cor cega”.
H2: O prazer em comportamentos de trolling está negativamente associado à importância percebida da desigualdade racial nos Estados Unidos.
H3: O prazer em comportamentos de trolling está positivamente associado à intenção de se envolver em (a) comportamentos ativistas e (b) radicais relacionados às suas crenças sobre raça.
H4: O racismo “cor cega” está negativamente associado à intenção de se engajar em comportamentos ativistas relacionados à desigualdade racial. (Abordando a relação entre o racismo cego à cor e a intenção de se engajar em comportamentos ativistas relacionados às crenças sobre a raça)
H5: O racismo “cor cega” está positivamente associado à intenção de se engajar em comportamentos radicais relacionados à desigualdade racial. (Examinando a relação entre o racismo cego à cor e a intenção de se envolver em comportamentos radicais relacionados às crenças sobre a raça.)
H6: A importância percebida da desigualdade racial está positivamente associada à intenção de se envolver em (a) comportamentos ativistas e (b) radicais relacionados às suas crenças sobre raça.
H7: A associação entre o prazer em comportamentos de trolling e a intenção de se envolver em comportamentos ativistas e radicais é moderada pelo racismo “cor cega”.
H8: A associação entre o prazer em comportamentos de trolling e a intenção de se envolver em comportamentos ativistas e radicais é moderada pela percebida importância da questão racial.
Já a questão de pesquisa, RQ1, investiga como o racismo “cor cega” e a percebida importância da desigualdade racial moderam os efeitos do prazer em trollar na intenção de alguém de se envolver em (a) comportamentos ativistas e (b) radicais relacionados às suas crenças sobre raça?
Os dados são oriundos de um levantamento nacionalmente representativo dos Estados Unidos, com 739 participantes, conduzido pela YouGov em 2021. A YouGov filtrou os painelistas para incluir respondentes que indicaram que prestavam atenção às notícias sobre questões políticas ‘algumas’ ou ‘a maioria’ das vezes.
Então as respostas para hipóteses foram as seguintes:
H1. Prazer em trolling e racismo “cor cega”: Confirmada. O prazer em comportamentos de trolling está positivamente associado ao racismo “cor cega”.
H2. Prazer em trolling e desigualdade racial: Negada. Não há relação significativa entre o prazer em trolling e a importância percebida da desigualdade racial.
H3. Intenção de se engajar em comportamentos ativistas e radicais: Confirmada. O prazer em trolling está positivamente relacionado à intenção de se engajar em ambos os tipos de comportamento.
H4. Racismo “cor cega” e comportamentos ativistas: Confirmada. O racismo “cor cega” está negativamente associado à intenção de se engajar em comportamentos ativistas.
H5. Racismo “cor cega” e comportamentos radicais: Negada. O racismo “cor cega” tem um efeito negativo significativo na intenção de se envolver em comportamentos radicais, contrariando a hipótese inicial.
H6. Importância da desigualdade racial: Confirmada. Ver a desigualdade racial como importante está positivamente associado à intenção de se envolver em comportamentos ativistas e radicais.
H7. Moderação pelo racismo “cor cega”: Confirmada. A associação entre o prazer em trolling e a intenção de se envolver em comportamentos radicais é moderada pelo racismo “cor cega”.
H8. Moderação pela importância da desigualdade racial: Negada. Não houve moderação significativa pela importância percebida da questão racial.
E, finalmente, sobre a RQ1: Os resultados mostraram uma interação significativa entre racismo cego à cor, percepção da importância da desigualdade racial e desfrute de trolling na intenção de se envolver em comportamentos radicais, indicando que essas variáveis tiveram efeitos conjuntos sobre o comportamento radical.
Os resultados do estudo indicam que os trolls são mais propensos a exibir racismo “cor cega” e a se identificar com ideologias políticas conservadoras e identidade branca. Essa descoberta sugere uma associação entre trolling e visões políticas específicas, corroborando pesquisas anteriores que encontraram essa conexão. Além disso, o estudo descobriu que aqueles que gostam de trolling também são mais propensos a se envolver em comportamentos ativistas e radicais, indicando que os trolls participam de várias formas de engajamento político, indo além do comportamento online provocativo.
A pesquisa revelou que tanto a percepção da importância da questão racial quanto a rejeição do racismo “cor cega” estão associadas a um maior envolvimento em comportamentos ativistas e radicais. Isso sugere que as atitudes em relação à desigualdade racial desempenham um papel crucial na determinação do comportamento político dos indivíduos. O estudo também levanta questões sobre a distinção entre comportamentos ativistas e radicais, destacando que atividades pacíficas em prol da justiça racial podem ser vistas como radicais pelo público. Isso ressalta a importância de considerar o contexto e a percepção pública ao avaliar o ativismo e o radicalismo.
Reconhecendo as dificuldades em estudar com precisão os trolls, considerando sua natureza evasiva e o desafio de definir e medir o trolling, a amostra do estudo não se limitou aos próprios trolls, mas sim àqueles que têm uma inclinação para o comportamento de trolling. As escalas existentes para estudar a radicalização podem não capturar completamente as nuances entre atividades ativistas e radicais, especialmente em questões como a desigualdade racial. Ainda é necessária uma abordagem mais ampla e sociopolítica para entender completamente a radicalização.
Por fim, concluímos que os resultados do estudo contradizem dois mitos comuns sobre os trolls: que são apenas “guerreiros do teclado” e que estão motivados apenas pelo desejo de provocar e se divertir. Em vez disso, o estudo mostra que os trolls estão predispostos a se envolver em comportamentos políticos, tanto ativistas quanto radicais. O trolling não deve ser visto apenas como um incômodo online, mas sim como parte de um espectro mais amplo de atividades políticas realizadas por aqueles que apoiam posições extremas. Isso sugere a necessidade de contextualizar o trolling dentro de um quadro político mais amplo e continuar explorando a relação entre trolling e radicalização, especialmente em questões políticas contenciosas e ideologias extremistas.
Referência
Biddle, K., Ekdale, B., High, AC, Stoldt, R., & Maragh-Lloyd, R. (2024). Beyond ‘Lulz’ and ‘Keyboard warriors’: exploring the relationship between trolling and radicalization. Information, Communication & Society.
* Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Bolsista de Iniciação Científica do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI) e integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).
As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.