Comunicação para fora da bolha: como atrair mais atenção para as pesquisas da área?
Por Fernando Ringel*
O título “Against dullness: on what it means to be interesting in communication research” é uma boa síntese sobre o artigo escrito por Manuel Goyanes. Sua estrutura lembra a de uma grande reportagem, como se via em revistas como Realidade e, atualmente, na Piauí . Subliminarmente, essa escolha demonstra o posicionamento do autor contra o que seria um artigo científico padrão.
Quanto à discussão, não há concordância a respeito de métodos ou obras apontadas como inovadoras e basilares, ilustrando que, além das questões metodológicas, o poder da evidência e dos resultados permanecem como a principal força de um artigo.
Por meio de entrevistas com membros de corpos editoriais em revistas de elite, o autor delimita parâmetros sobre o que é considerado mais importante para a aprovação de um artigo. Em um contexto definido pelo autor como excessivamente padronizado e de pouca criatividade,
Este estudo se propôs a desafiar esta cultura de pesquisa e, assim: (1) contribuir para uma melhor compreensão de quais dimensões da pesquisa empírica em comunicação moldam um estudo interessante, (2) abrir a discussão acadêmica sobre a necessidade (ou não) de desafiar a padronização excessiva das produções de pesquisa e (3) atualizar os valores associados à pesquisa considerada interessante como critérios para avaliar artigos de pesquisa e trajetórias acadêmicas (GOYANES, 2008, p.2 tradução nossa).
Este estudo se propôs a desafiar esta cultura de pesquisa e, assim: (1) contribuir para uma melhor compreensão de quais dimensões da pesquisa empírica em comunicação moldam um estudo interessante, (2) abrir a discussão acadêmica sobre a necessidade (ou não) de desafiar a padronização excessiva das produções de pesquisa e (3) atualizar os valores associados à pesquisa considerada interessante como critérios para avaliar artigos de pesquisa e trajetórias acadêmicas (GOYANES, 2008, p.2 tradução nossa).
Foram estabelecidas cinco categorias para avaliar a qualidade da pesquisa em comunicação: contraintuitivo; fundamental; nova abordagem; qualidade e exemplaridade; perspicaz e prático. Para a aplicação dos dados visando o desenvolvimento da área, o autor aponta a necessidade de: “(a) uma redefinição do que é tipicamente retratado como ingredientes essenciais de uma boa pesquisa (por exemplo, especialização, trabalho incremental, contribuição a um subconjunto da literatura) e (b) que os valores associados à pesquisa interessante devem ser atualizados” (2008, p.15 tradução nossa).
Ainda em relação às linhas de argumentação, é surpreendente que alguns revisores permaneçam apontando o livro como formato mais adequado para a discussão científica. Por seu maior tempo de desenvolvimento, trata-se de uma contraposição à pressão por publicação na atualidade.
No caso, chegam a ser engraçados os depoimentos de entrevistados citando seus próprios trabalhos como exemplos para a área. Porém, existe uma lógica nisso: muito além do “ego acadêmico”, é natural que um pesquisador aplique em seu trabalho o que considera mais eficiente, a partir de sua experiência.
SEO contra a monotonia na redação científica
Em meio ao conteúdo rico em detalhes curiosos, como os extratos das respostas dos entrevistados, é feito bom uso de tabelas, facilitando bastante a compreensão. Contudo, eventualmente a formatação é a maior limitação do trabalho. Há um trecho longo apenas com texto corrido e, na página 6, a tabela 1 surge no meio de uma frase, dispersando a leitura e diminuindo o impacto de seus dados.
Partindo da discussão proposta, a criatividade poderia ter como campo de experimentação também a redação e diagramação dos artigos. Neste caso, o longo trecho apenas com texto, entre as páginas 6 e 10, foi uma oportunidade desperdiçada. Como os trabalhos ficam disponíveis em versão digital, por meio de técnicas de Search Engine Optimization (SEO), o trecho citado poderia ser mais amigável ao leitor, com a inserção de elementos que facilitam a leitura, como o uso mais frequente subtópicos.
Visando beneficiar a divulgação de dados pela troca de experiências entre a Academia e os profissionais de Comunicação que ela desenvolve (Marques de Melo, 1992):
- Os títulos dos subtópicos, em negrito, devem ter em torno de seis palavras, podendo inclusive usar palavras-chaves do resumo;
- O título do subtópico deve responder à discussão do texto, como a manchete de um jornal (Erbolato, 2002). Ela apoia, refuta ou levanta uma questão, mas jamais pode é genérico;
- Dentro do possível, o texto pode absorver questões próprias da redação para web/copywriting (Rock Content, 2017), como voz ativa, parágrafos em torno de quatro linhas e frases de até 25 palavras;
- Assim como verificado neste trecho da resenha, dados mais importantes podem ser ressaltados com formatação em recuo, enumerados em lista ou precedidos por bullets/bolinhas (Nielsen; Loranger, 2007).
- Explorar a linguagem visual para ajudar na compreensão do texto. Além das tradicionais fotos, gráficos, quadros e tabelas, o trabalho pode conter, por exemplo, infográficos.
- Quando for repostado em site ou blog, o complemento do texto original pode abranger áudio e vídeo, como na abordagem multimodal , ou até mesmo a ilustração do artigo em quadrinhos.
- Os itens citados, enriquecidos pela inclusão de hyperlinks relevantes no texto, potencializa a compreensão e, quando postado em site ou blog, melhora o rankeamento orgânico no Google, expandindo os dados acadêmicos para além da Academia.
Contudo, são sugestões que visam potencializar o texto científico originalmente publicado. No caso de “Against dullness: on what it means to be interesting in communication research”, a clareza com que o artigo é apresentado ressalta a sua solidez. Pelo serviço que esta discussão presta ao campo, sua metodologia poderia ser replicada em outros contextos, como por exemplo, com membros de corpos editoriais das principais revistas brasileiras. Neste sentido, os dados do Brasil poderiam ser confrontados com os codificados por Goyanes.
Enfatizando a necessidade de maior diversidade e originalidade nas pesquisas, a delimitação dos resultados é feita de forma objetiva e se torna especialmente didática ao citar artigos com estruturas apropriadas a cada categoria.
Pecados mortais da pesquisa em Comunicação
Aprofundando a discussão sobre métricas para publicação em revistas de elite, Neuman et al. (2023) parte de mesma premissa, só que observando apenas um periódico. No caso, o artigo “The Seven Deadly Sins of Communication Research” analisa comentários anônimos de revisores em 120 submissões ao Journal of Communication. Para delimitar as deficiências e qualidades de um artigo, foi identificado que “Uma conexão explícita com um corpus teórico claramente identificado e descobertas ou perspectivas inovadoras provaram ser os indicadores mais importantes para a publicação.” (p.220tradução nossa).
Entre as qualidades do trabalho está a sua justificativa, partindo da evidência que este tipo de estudo é escasso na Comunicação. Esta abordagem permeia toda a redação do artigo, em especial quanto ao percurso metodológico.
Ressalta-se que o trabalho tem uma perspectiva mais pedagógica, verificada em uma linguagem que realmente acrescenta no texto o que não poderia ser expresso em imagem. Sua descrição parece uma história testemunhada pelo leitor: um questionamento leva a outros inesperados e estes exigem novas abordagens de apuração. Tudo é descrito com extrema franqueza, quase como se fosse possível ouvir a voz de um narrador, como no seguinte trecho: “Este padrão fornece alguma evidência de concordância entre os revisores sobre o que representa uma erudição de alta qualidade no campo da comunicação? Provavelmente não é possível dizer a partir de uma estatística tão grosseira” (p.227 tradução nossa).
Como sugestão, os resultados da figura 1, página 227, poderiam ser apresentados também em forma de lista numerada, para melhorar a escaneabilidade. Para facilitar a compreensão, o presente comentário enumera as características que influenciam positivamente na publicação de um artigo no Journal of Communication (Neuman et al.,2023):
- Importância;
- Integração teórica;
- Clareza;
- Metodologia,
- Completude;
- Conexão normativa;
- Originalidade.
O trabalho supera as expectativas por sua redação, de rara franqueza. Isto confere personalidade ao texto que, eventualmente beira à ironia, como na frase que encerra a conclusão: “O Journal of Communication, a pedido de Gerbner (1983b) há alguns anos, começou uma tradição de abordar estas questões em intervalos de 10 anos. Talvez, não seja do nosso interesse esperar pacientemente uma década” (NEUMAN et al., 2023 tradução nossa). Esta passagem ilustra também como o autor usa o embasamento teórico, no caso, teorias do jornalismo como o gatekeeper (WHITE, 1950), para analisar as características das publicações científicas.
Conclusão
Compreende-se que os autores não têm interferência na diagramação de seus artigos em periódicos. Porém, apesar da clareza e solidez nas argumentações dos dois trabalhos, é curioso que mesmo as pesquisas de ponta em Comunicação tenham limitações em relação a seus aspectos de comunicação.
Partindo do título do artigo, “The Seven Deadly Sins of Communication Research” (Neuman et al.,2023), talvez haja um oitavo pecado, sintetizado pelas seguintes questões: por que as pesquisas de Comunicação têm deficiências nos aspectos textuais, gráficos e em sua divulgação para além do meio acadêmico? São deficiências ou seriam resultado da necessidade de padronização científica?
Enfim, questões ainda por serem desenvolvidas.
Referências principais
GOYANES, M. Against dullness: on what it means to be interesting in communication research. Information, Communication & Society, v. 23, n. 2, p. 198–215, 9 jul. 2018.
NEUMAN, W. R. et al. The Seven Deadly Sins of Communication Research. Journal of Communication, v. 58, n. 2, p. 220–237, jun. 2008.
Referências complementares
ERBOLATO, M. Técnicas de Codificação em Jornalismo. São Paulo: Editora Ática, 2002.
MARQUES DE MELO, J. M. de. Modernidade ou anacronismo? Dilema do ensino de Comunicação nos anos 90. In: KUNSCH, M. K. O Ensino de Comunicação: análises, tendências e perspectivas. São Paulo: ABECOM-ECA/USP, 1992.
NIELSEN, J.; LORANGER, H. Usabilidade na Web: projetando websites com qualidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
NOELLE-NEUMANN, E. A Espiral do Silêncio: Opinião Pública – nosso tecido social. Estudos Nacionais, 2017.
ROCK CONTENT. ABC doCopywriting. 2017.
WHITE, D. M. The “Gate Keeper”: A Case Study in the Selection of News. Journalism Quarterly, v. 27, n. 4, p. 383–390, set. 1950.
* Fernando Ringel é Mestre em Educação pela Universidade de Uberaba (UNIUBE), bacharel em Publicidade e Propaganda pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e Jornalismo pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Atua como professor universitário e, profissionalmente, nas áreas de produção de conteúdo e assessoria de comunicação.