Quem realmente é ouvido? Como a classe política apreende a opinião pública
Por Lairyne Cruz de Jesus*
O artigo “How politicians learn about public opinion” foi publicado na Revista Research & Politics e visa preencher uma lacuna da literatura: entender como os políticos se informam sobre a opinião pública. Assim, os autores apresentam como questões de pesquisa: Como os políticos aprendem sobre a opinião pública? Que fonte eles preferem para ter uma ideia do que os cidadãos desejam?
Os autores, Stefaan Walgrave e Karolin Soontjens, são ambos vinculados à Universidade de Antuérpia, na Bélgica.Walgrave é professor de Ciência Política e estuda temas como Comunicação Política e Opinião Pública e Soontjens é pesquisadora e conduz estudos sobre Opinião Pública e como ela é percebida pelos políticos.
Os pesquisadores justificam este estudo argumentando que, apesar da importância normativa de compreender como os políticos se informam sobre a opinião pública, a evidência empírica sobre como eles acessam as diversas opiniões que circulam entre a população ainda é escassa. Como ressaltam os autores, a própria conceitualização de democracia implica que as decisões dos representantes eleitos consideram os desejos da população, este processo afeta severamente o sentimento popular de “sentir-se representado”. Assim, entender como os políticos se informam sobre a opinião pública torna-se essencial.
Além disso, como reconhecem os autores, privilegiar determinadas fontes em detrimento de outras tem consequências importantes. A partir do conhecimento sobre as fontes pode-se buscar compreender os vieses presentes em cada alternativa e como elas afetam a opinião do público sobre o político, bem como os impactos sobre a comunicação entre este e o eleitorado. Como mencionado anteriormente, a insatisfação popular, muitas vezes, deriva do sentimento do público de não se sentir ouvido e representado. Nesse sentido, priorizar algumas formas de contato com a opinião pública, como o diálogo direto com os cidadãos comuns, poderia remediar crises de representação.
Assim sendo, os autores conduzem uma pesquisa que envolve 898 políticos de 5 países, todos eles democracias ocidentais, mas com muitas diferenças em relação ao sistema político: Canadá (sistema majoritário), Países Baixos (proporcional), Bélgica (moderadamente proporcionais), Alemanha (misto) e Suíça (sui generis), o que confere algum nível de generalização ao estudo.
As conclusões do artigo se baseiam principalmente nas respostas à seguinte pergunta: “Existem muitas fontes de informação que podem ser úteis para se informar sobre o que (tipo de política) o público em geral deseja. Abaixo listamos várias dessas fontes potenciais. Você pode classificar essas fontes com base em sua utilidade para se informar sobre o que o público em geral quer?”. No entanto, outros dados sobre características dos políticos, partidos e posição do governo, por exemplo, também são coletados. As respostas que não ranquearam todas as fontes foram descartadas, além disso, essa questão não foi apresentada na versão mais sucinta do questionário aplicado aos políticos suíços. Logo, o corpus final considerou 775 políticos que ofereceram respostas completas.
Segundo as respostas dos políticos, o contato direto com os cidadãos é a forma mais utilizada para estar informado sobre a opinião pública. Esse contato direto poderia ser útil não apenas para perceber se a população está a favor ou contra alguma política, mas para sentir o “clima de opinião” e entender quais são os temas mais caros à população e quais argumentos são mobilizados em relação ao tema.
Em seguida, os políticos citam a mídia tradicional como a segunda forma mais recorrente de estar a par dos interesses da população. Depois, conversar com pessoas próximas foi a terceira fonte mais citada. Esta fonte não havia sido debatida, como mencionam os autores, por nenhum dos artigos citados na revisão bibliográfica e chama a atenção pelo possível viés sócio-econômico e político das pessoas próximas aos políticos. Os políticos também citam movimentos sociais e grupos de interesses como a quarta fonte mais importante. Mensagens nas redes sociais, sondagens de opinião de outros veículos e dos próprios políticos e conversar com jornalistas foram significativamente menos importantes.
Os autores argumentam que os resultados são robustos, apesar da ampla variação de sistemas políticos. O contato direto com os cidadãos ocupou a primeira fonte de informação em todos os países — independentemente do status, gênero, idade, etc. do político — assim como falar com jornalistas foi considerada a última fonte onde os políticos consultam a opinião pública. Similarmente, as redes sociais não ocupam posição de destaque em nenhum dos países. Assim, os autores defendem haver encontrado um padrão, onde a interação direta com os cidadãos é fundamental, seguida pelos meios de comunicação tradicionais e das conversas com pessoas próximas. Deste modo, argumenta-se que os políticos preferem obter dados diretos, brutos, não mediados e não agregados sobre a opinião pública.
Em relação ao cruzamento entre as preferências de fonte de cada político e suas características pessoais, os pesquisadores observaram que políticos que ocuparam posições mais altas valorizam menos os movimentos sociais e os grupos de interesses enquanto fontes, em comparação com outros cargos. Ainda, políticos mais experientes conferem maior preferência ao contato com os jornalistas que os políticos mais jovens, que, por sua vez, costumam valorizar mais as interações nas redes sociais.
Similarmente, o gênero e a posição ideológica também afetam as preferências de fontes. Mulheres valorizam mais pesquisas e movimentos sociais/grupos de interesse mais elevado, enquanto os homens valorizam mais o contato com pessoas mais próximas. Políticos posicionados mais à direita apresentaram maior preferência por redes sociais, interações com pessoas próximas e suas próprias sondagens como fonte de informação, enquanto políticos situados mais à esquerda optam pelos meios de comunicação tradicionais, pelo contato com jornalistas pelo diálogo com grupos de interesse/movimentos sociais.
Por fim, os autores reconhecem que o contato direto com os cidadãos pode ter ocupado a primeira posição porque os políticos sabem que é isso o que se espera deles. Apesar disto, o argumento que justifica esta preferência dos políticos com base na possibilidade de sentir o “clima de opinião”, a intensidade das posições do eleitorado e os principais argumentos mobilizados em relação ao tema debatido também permanece relevante. De todos os modos, o artigo cumpre o objetivo proposto pelos autores de iniciar a discussão a respeito de um tema que ainda é pouco explorado pela literatura. Decerto, ainda há muito espaço para pesquisas sobre como os políticos se informam sobre a opinião pública e estudos complementares mantêm-se essenciais e serão úteis para preencher as lacunas existentes.
Referência
Walgrave, S., & Soontjens, K. (2023). How politicians learn about public opinion. Research & Politics, 10(3).
*Lairyne Cruz de Jesus é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná, na linha de formação de Ciência Política. É integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).
As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.