Reivindicar-se neutro é bom ou ruim para o Jornalismo?
Giulia Sbaraini Fontes*
“Is the Age of Impartial Journalism Over? The Neutrality Principle and Audience (Dis)trust in Mainstream News”, artigo do pesquisador Markus Ojala publicado na revista Journalism Studies, busca compreender de que maneira a confiança da audiência nas organizações jornalísticas está relacionada à percepção de que os próprios jornalistas e a imprensa são neutros.
Nesse sentido, o autor explora o conceito de neutralidade a partir de duas perspectivas teóricas. A primeira é de que, quando são neutros, jornalistas e empresas jornalísticas não têm interferência nos eventos que noticiam, ou seja, apenas transmitem fatos e deixam que a audiência tire suas próprias conclusões. Já a segunda perspectiva pressupõe uma postura imparcial dos jornalistas, isto é, um comportamento que evita privilegiar certos posicionamentos ou interesses em detrimento de outros.
Por qual motivo esse texto é relevante?
A pesquisa é relevante considerando que organizações jornalísticas têm passado por questionamentos de legitimidade em democracias do mundo todo. Políticos dos EUA, de países da Europa e também do Brasil utilizam uma retórica anti-imprensa para descredibilizar notícias que lhes desagradam, por exemplo. Os questionamentos, porém, não se limitam a peças jornalísticas específicas, e podem ser direcionados, até mesmo, à honestidade de profissionais jornalistas.
Resumo da pesquisa
A partir desse contexto, o pano de fundo da proposta de Ojala é de que o princípio de neutralidade, reivindicado pela imprensa e parte do aspecto institucional da atividade jornalística, poderia ser, na verdade, um “peso” para empresas e profissionais. Isso porque colocar-se como neutro em um ambiente no qual a audiência não tem essa percepção dos produtos jornalísticos seria uma forma de minar ainda mais tal confiança.
Assim, o autor busca entender a relação entre o princípio da neutralidade e a confiança na imprensa em um contexto específico, o da Finlândia – um país que tem altos níveis de confiança na imprensa, mas que teve a ascensão de líderes políticos anti-imprensa. Duas estratégias metodológicas são empregadas: a realização de um survey com 1053 pessoas e de três grupos focais, que tiveram 23 participantes. Para analisar os dados do survey, o autor dividiu os resultados entre os participantes que diziam confiar na imprensa e os que diziam desconfiar.
Conclusões principais do texto
Segundo Ojala, as conclusões obtidas a partir das duas abordagens metodológicas são “multifacetadas”. Isso porque a pesquisa aponta, de um lado, pouca relação entre a confiança da audiência na imprensa e a ideia de que os jornalistas não têm interferência nos eventos noticiados (a primeira abordagem do conceito de neutralidade). Apesar disso, diz Ojala, os participantes do estudo apresentavam a ideia de que os jornalistas são imparciais, e de que o produto jornalístico é pouco influenciado por interesses externos. De acordo com o autor, assim, ao menos parte da confiança da audiência na imprensa está relacionada à visão de que há imparcialidade entre jornalistas e empresas do ramo.
REFERÊNCIA
OJALA, M. Is the Age of Impartial Journalism Over? The Neutrality Principle and Audience (Dis)trust in Mainstream News. Journalism Studies, 2021.
* Giulia Sbaraini Fontes é doutoranda e mestre em Ciência Política pela UFPR. Formada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, atua como repórter de Economia no UOL. Seus temas de pesquisa incluem objetos relacionados ao Jornalismo Político e ao estudo das organizações jornalísticas sob a ótica neoinstitucionalista.
As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.