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Jornalismo, métricas de audiência e as mudanças no poder de opinião

Por Maíra Orso*

O artigo analisa como as tecnologias digitais que medem os comportamentos e o envolvimento do público em tempo real afetaram a composição da audiência e seu poder de influenciar os processos de produção de notícias dentro de duas redações chilenas. Dodds et al. (2023) iniciam a discussão com uma revisão teórica, trazendo a literatura sobre métricas de audiência, e argumentam que essa mudança que popularizou as técnicas quantitativas de medição de audiência aumentou a tensão entre abordagens baseadas em dados para medições de audiência e autonomia jornalística.

Um exemplo de tecnologia de métricas abordado são os displays dentro das redações, fornecidos pelo Chartbeat, uma empresa de tecnologia que fornece análises sobre o comportamento do público online para editores e organizações de mídia. Essas telas mostram o número de leitores simultâneos visitando atualmente qualquer página do site da redação. Imediatamente após a publicação de um artigo na web, qualquer jornalista pode ver quantas pessoas estão lendo suas matérias naquele exato momento em tempo real.

Essa situação gera um paradoxo dentro das redações jornalísticas. Por um lado, os displays criam uma sensação de competição entre os jornalistas, na medida que informam sobre como o público valoriza e recompensa os temas em que os estão trabalhando. Por outro, faz com que os profissionais sejam progressivamente pressionados a ter um bom desempenho para satisfazer o público informado, além da constante cobrança por alimentar os algoritmos, muitas vezes produzindo notícias “clicáveis” que não necessariamente julgam importantes.

Outro problema abordado pelos autores é a crescente crise financeira global que as empresas de mídia de notícias estão enfrentando. Essa indústria tem caminhado para um cenário de hipercompetição para capturar a atenção do público. No contexto de popularização das plataformas de redes digitais, o jornalismo, que antes tinha poder hegemônico sobre a informação, acaba competindo com novas vozes da web. Dessa forma, as empresas de comunicação se veem incentivadas a buscar estratégias para publicar notícias que melhor se alinham com essa nova necessidade de jornalismo.

Entretanto, os autores argumentam sobre o lado negativo do que chamam de ‘dataficação’. Segundo Dodds et al (2023), as métricas de audiência estão transformando rotinas, práticas e até mesmo códigos profissionais dentro das redações. Diante disso, o artigo explora como as métricas impulsionadas pela popularidade transformam os processos editoriais e as práticas jornalísticas, alterando o poder de compartilhamento de opinião por trás da produção de notícias, constituindo uma nova forma de poder de opinião. Além disso, argumentam que as mudanças no poder de opinião, a perda de controle e a crescente dependência de plataformas são aspectos que podem desencadear um cenário de mídia concentrada.

Como metodologia, os autores realizaram vários meses de etnografia de redação em dois meios de comunicação no Chile para testar o impacto do poder de opinião da audiência com dados nas redações multiplataforma contemporâneas. Durante a primeira etapa, o autor principal realizou um trabalho etnográfico, incluindo observação participante, na estação de televisão Canal 13, um canal de televisão aberto chileno. O foco foi principalmente nos jornalistas que trabalham no Teletrece, departamento de notícias e telejornal do Canal 13, e T13.cl, seu site.

Na segunda etapa do trabalho de campo, foi realizada uma etnografia de redação no La Tercera, jornal diário controlado pelo conglomerado chileno Copesa. Os dados foram coletados não apenas em mais de uma dúzia de entrevistas, mas também em conversas informais, aplicativos de mensagens, notas de campo, reuniões editoriais e entrevistas semiestruturadas ao longo do trabalho de campo nessas organizações.

Para o autor principal, que foi quem realizou toda etapa do trabalho de campo, essa metodologia permitiu uma análise das práticas jornalísticas e das estruturas da redação simultaneamente. Dodds afirma que pode ser analisada as respostas dos jornalistas durante as entrevistas, suas interações diárias com as tecnologias de métrica de audiência e colegas e editores que também estiveram envolvidos no uso dessas tecnologias.

Entretanto, a metodologia foi a parte mais deficitária do trabalho. Após um tema e pergunta de pesquisa relevantes e uma boa revisão da literatura, a seção de métodos contrasta de forma negativa na soma final do artigo. Os autores apresentam poucos trechos das falas dos editores e jornalistas e pecam ao não exibirem de forma detalhada o percurso da etnografia. Mesmo que qualitativa, a pesquisa necessita métodos muito bem estruturados e apresentados ao leitor para se sustentar e não parecer uma escolha tendenciosa de partes das entrevistas apresentadas. Para tanto, os autores poderiam: 1) apresentar as entrevistas na íntegra, seja em apêndice ou direcionamento através de links, 2) justificar melhor as escolhas metodológicas e os objetos das entrevistas, e 3) detalhar melhor as rotinas de produção de ambas redações.

Como resultado os pesquisadores ilustram algumas falas que era comuns nas redações: “Sim! Isso cairia muito bem nas redes sociais!” no Canal 13. O editor usava essa frase quando se referia a reportagens sobre Grey’s Anatomy, o Cirque du Soleil e Kim Kardashian. A relação entre o público digital e o que os dados diziam que o público queria para as notícias do site foi o assunto principal durante a entrevista com o mesmo editor de conteúdo, que, segundo Dodds e colegas (2023) se emocionava muito todas as vezes que tinha que escrever sobre Grey’s Anatomy.

“Um desses públicos, ele argumentou, é um usuário assíduo do Facebook de 16 anos, “superjovem”. “Eu sei que escrever sobre Selena Gomez vai causar tanto furor entre eles […]. Eu sei que qualquer uma dessas coisas de it girls sempre funcionará”, acrescentou. “Então, hoje, por exemplo, eu vi a Selena Gomez fazendo um discurso. Ela começou a chorar porque um de seus amigos lhe deu um rim para um transplante, e eu soube imediatamente que este artigo iria funcionar”, também comentou o editor.

“É estranho, não sei por quê, mas temos um grande público mexicano”. Segundo o editor, havia várias teorias sobre por que isso poderia acontecer, mas ninguém dentro da redação estava totalmente certo sobre as razões por trás desse fenômeno. “Sei que se eu escrever sobre Belinda (cantora e atriz mexicana), vai dar certo”, acrescentou o editor de conteúdo.

Foi observado uma lacuna entre a percepção dos editores sobre a plataformização e a percepção dos jornalistas sobre esse novo cenário. Segundo o editor de redes sociais, era necessário “tráfego, visibilidade, pessoas que lessem seus trabalhos e que houvesse compartilhamento e viralização”. Os jornalistas, no entanto, muitas vezes se ressentiam do número de histórias que tinham para escrever sobre assuntos que não consideravam de interesse público ou digno de notícia, gerando um descontentamento profissional.

Neste artigo, Dodds et al. (2023) argumentam que o poder da opinião mudou das preferências do público para uma maior metrificação do público produzido por plataformas de terceiros. Segundo eles, agora é a versão ‘dataficada’ da audiência que detém o poder de influenciar as decisões das redações sobre o que deve ser coberto. É perceptível que esses resultados de caso também sugerem maiores possibilidades de participação do público devido às interações tecnológicas. Por outro lado, deixa claro como a realocação do poder de opinião está aumentando as assimetrias de poder. E esse é o ponto mais importante do artigo, uma vez que reflete como plataformas como Google, Facebook ou Twitter fornecem os dados, tecnologias e infraestruturas para conectar audiências com redações em todo o mundo, afetando indiretamente o poder de opinião.

Essa pesquisa é importante porque as métricas impulsionadas pela popularidade e a dependência das plataformas de mídia social estão aumentando em todo o mundo. Os autores fazem reflexões importantes acerca dessa problemática. A mais importante é o debate de que, embora reconheçam que os cliques não são um reflexo preciso do público, os valores por trás das tecnologias de medição de uma empresa terceirizada influenciam cada vez mais na tomada de decisões. Há de se questionar também as questões éticas sobre a não-representação de alguns públicos, dado que há a super representação de outros. Ainda, existe o público não representado que não necessariamente se envolve com as notícias.

Por fim, a pergunta que fica é: onde está o poder de definir a agenda atualmente?

Referência

Dodds, T., de Vreese, C., Helberger, N., Resendez, V., & Seipp, T. (2023). Popularity-driven Metrics: Audience Analytics and Shifting Opinion Power to Digital Platforms. Journalism Studies, 1-19.

* Maíra Orso é doutoranda em Comunicação na Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Comunicação pela mesma universidade e graduada em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Bolsista de pesquisa Capes. E-mail: maira.m.orso@gmail.com.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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