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A crise de significado na ciência burocratizada: uma análise crítica do impacto da burocracia na identidade e motivação dos cientistas

Por Maíra Orso*

O artigo “The sense of meaninglessness in bureaucratized science”, escrito por Finkielsztein e Wagner, explora de maneira crítica e detalhada o impacto da burocratização na academia, com foco específico nas ciências da vida. O texto aborda a sensação de falta de significado experimentada por muitos cientistas, que é exacerbada pela imposição de lógicas burocráticas conflitantes com a natureza criativa e imprevisível da pesquisa científica.

Os autores começam argumentando que essa falta de significado é mais pronunciada em atividades que estão distantes da identidade central dos cientistas e que exigem um maior trabalho de identidade para torná-las significativas. Eles sugerem que os processos de racionalização impostos por agendas externas, especialmente a transição da racionalidade substantiva para a formal, proliferam déficits de significado na academia. Esse déficit é visto como um efeito colateral da colisão entre duas lógicas de prática incompatíveis: a lógica burocrática e a lógica científica. Essa “irracionalidade da racionalidade”, como a denominam, emerge da tentativa de conciliar demandas burocráticas com a prática científica, que são por natureza incongruentes.

No campo conceitual, o artigo explora a tese de que a busca por eficiência, calculabilidade, previsibilidade e controle, características centrais da racionalidade formal, frequentemente leva a consequências indesejadas no ambiente acadêmico. Essas características geram uma pressão sobre os cientistas para que realizem pesquisas facilmente quantificáveis e padronizáveis, em detrimento de projetos mais arriscados e inovadores. Além disso, a crescente carga de tarefas administrativas, imposta pelas exigências burocráticas, reduz a colaboração e desacelera o progresso da pesquisa, impactando negativamente o ambiente acadêmico.

A análise empírica do artigo é fundamentada em três projetos de pesquisa distintos, que fornecem uma base sólida para as argumentações dos autores. O primeiro estudo, conduzido entre 2013 e 2014, envolveu uma avaliação encomendada por uma instituição responsável pela gestão de bolsas de pesquisa em ciências básicas da vida, com o objetivo de identificar obstáculos à implementação de projetos internacionais. O segundo estudo, realizado entre 2013 e 2018 na Universidade de Varsóvia, focou no tédio e em estados semelhantes experimentados por acadêmicos durante atividades relacionadas ao trabalho. O terceiro estudo, uma pesquisa etnográfica longitudinal, foi conduzido em três laboratórios de pesquisa em ciências da vida nos EUA, Polônia e França entre 2004 e 2011. Esses estudos foram essenciais para a construção dos tipos ideais de lógicas de prática científica e burocrática, evidenciando áreas onde a burocracia gera sentimentos de rejeição e frustração entre os participantes.

Os resultados desses estudos mostram que os cientistas percebem a natureza burocrática das exigências administrativas, como as do programa Eureka, como um fator que desencadeia frustração e uma sensação de desperdício de tempo. As exigências burocráticas, como a necessidade de produção de relatórios detalhados e a participação em reuniões administrativas ineficazes, são vistas como tediosas e desprovidas de sentido. Isso impacta negativamente a motivação dos cientistas, que criticam a ênfase na quantidade de relatórios em detrimento da qualidade do trabalho científico. A conclusão do artigo enfatiza a incompatibilidade entre as lógicas burocrática e científica, ressaltando como essa tensão gera sentimentos negativos e destaca a importância de abordar esses conflitos para preservar as identidades profissionais e mitigar os sentimentos de falta de significado entre os pesquisadores.

No aspecto teórico, o artigo contribui significativamente para a compreensão dos impactos negativos da burocratização na academia, oferecendo uma visão aprofundada dos efeitos psicológicos e emocionais que a carga burocrática impõe sobre os cientistas. A análise revela como as demandas administrativas excessivas podem minar a paixão e a motivação pela pesquisa, levando a uma crise de identidade entre os acadêmicos. Essa perspectiva é essencial para entender as dinâmicas internas da vida acadêmica contemporânea, especialmente em um contexto onde a pressão por resultados mensuráveis e a burocratização das práticas de pesquisa têm se intensificado.

No entanto, embora o artigo ofereça uma análise robusta e fundamentada, ele poderia se beneficiar de uma discussão mais aprofundada sobre possíveis soluções ou abordagens alternativas para mitigar os efeitos negativos da burocracia. Seria interessante que os autores explorassem mais detalhadamente as diferenças culturais e institucionais que podem influenciar a percepção de significado entre os cientistas em diferentes contextos. Além disso, uma análise mais detalhada sobre como essas tensões podem ser resolvidas ou, ao menos, mitigadas, contribuiria para uma compreensão mais ampla e prática do problema.

Em última análise, o artigo “The sense of meaninglessness in bureaucratized science” oferece uma contribuição significativa para o entendimento das tensões entre as lógicas de prática burocrática e científica. Ele destaca como essas dinâmicas, muitas vezes conflituosas, podem gerar frustrações, sentimentos de falta de significado e uma crise de identidade entre os pesquisadores. Para preservar as identidades profissionais e a motivação dos cientistas, é necessário reavaliar as estruturas administrativas na ciência acadêmica, buscando um melhor alinhamento com os valores e prioridades centrais da pesquisa científica.

Referência

Finkielsztein, M., & Wagner, I. (2023). The sense of meaninglessness in bureaucratized science. Social Studies of Science, 53(2), 271-286.

*Maíra Orso é doutoranda bolsista CAPES em Comunicação pela linha Comunicação e Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Mestre em Comunicação pela mesma instituição. Graduada em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Tem interesse em pesquisas sobre jornalismo político, ativismo digital, comunicação política online, gênero e opinião pública. E-mail: maira.m.orso@gmail.com.

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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