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O papel das leis de acesso à informação na prática jornalística

Andressa Butture Kniess*

A autora do texto aqui apresentado é a pesquisadora Mária Žuffová, que está vinculada à European University Institute (em Florença, na Itália) e trabalha com temas que envolvem transparência pública, jornalismo e estudos de gênero (1).

O artigo “Fit for Purpose? Exploring the Role of Freedom of Information Laws and Their Application for Watchdog Journalism” foi publicado na Revista The International Journal of Press/Politics e procura preencher uma lacuna da literatura: investiga qual é o papel das leis de acesso à informação na prática jornalística.

O trabalho de Žuffová (2021) tem uma abordagem multimétodo, uma vez que analisa 164 surveys aplicados a jornalistas (que foram contatados digitalmente), sete entrevistas semiestruturadas feitas presencialmente com ativistas e funcionários públicos ligados a políticas de acesso e 21 solicitações de acesso enviadas a departamentos ministeriais no Reino Unido. Tais solicitações requisitavam estatísticas sobre o histórico dos solicitantes, monitoramentos midiáticos e registros sobre as solicitações que evoluíram para notícias.

Os resultados confirmam que os jornalistas reconhecem a importância das leis de acesso à informação: 94% afirmam que enviaram pelo menos uma solicitação ao longo de sua carreira e 84% consideram que tal legislação é fundamental para o seu trabalho. Contudo, a maioria dos jornalistas pesquisados (70%) envia menos de cinquenta solicitações por ano. Apenas 17% dos jornalistas representam heavy users, ou seja, enviam mais de 100 solicitações por ano.

O que esses dados mostram é que, mesmo reconhecendo a importância das políticas de acesso, esses profissionais nem sempre as utilizam como fonte. E Žuffová (2021) explica por que isso acontece. Os jornalistas que participaram da pesquisa consideram que os prazos para a obtenção de respostas não são compatíveis com a dinâmica acelerada das redações. E, como precisam das informações de maneira rápida, eles acabam buscando por dados já disponíveis e utilizam as solicitações de acesso somente em última instância.

Além disso, alguns entrevistados duvidam do rigor das informações e desconfiam que elas possam ser manipuladas. Não obstante tais limitações, jornalistas pontuam que as políticas de acesso são fundamentais porque, ao contrário de perguntas rotineiras da imprensa, pedidos feitos por meio de leis de acesso à informação não podem ser ignorados.

Além dos prazos muito extensos, os jornalistas também indicam que experiências prévias negativas os impedem de realizar novos pedidos de acesso – 86% alegam que já tiveram pelo menos um pedido recusado. E os motivos da recusa quase sempre são justificados porque causariam ao setor público encargos indevidos de tempo e de recursos financeiros.

Somente 6% dos entrevistados mencionam a obrigação de revelar sua identidade como impedimento para apresentação de uma solicitação de acesso. Mas há quem acredite que pedidos de jornalistas são tratados de forma diferenciada. “A CSO representative argued that whereas most requests are dealt with by the regular FOI team, sensitive requests get to senior civil servants in the departmental hierarchy” (p. 13). E tal distinção não é restrita ao Reino Unido. No Brasil, Michener e colegas (2019) já demonstram que solicitantes institucionais têm uma probabilidade maior de obter uma resposta do que seus colegas não institucionais.

No que se refere aos pedidos de acesso feitos pela autora, a maioria foi cumprido no prazo legal de vinte dias, não obstante algumas informações não terem sido disponibilizadas. Mas Žuffová (2021) ressalta que, como os pedidos não abordavam informações sensíveis, sua experiência pode ter sido mais positiva.

É importante que trabalhos científicos investiguem a relação entre as políticas de transparência e a prática jornalística porque os profissionais da comunicação são, potencialmente, os principais mediadores das informações públicas. É muito comum que os cidadãos não disponham de tempo, conhecimento ou mesmo interesse em mobilizar mecanismos institucionais de controle social. Mas os jornalistas podem fazê-lo e, assim, disponibilizar ao público as informações de maior relevância. Nesse sentido, a importância do artigo aqui apresentado está em demonstrar que a relação entre políticas de acesso e jornalistas permanece conflituosa.

E, no Brasil, a situação não é diferente. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) lançou uma pesquisa que indica que metade dos jornalistas participantes nunca fizeram pedidos de acesso à informação para apurar reportagens (2). Mas, felizmente, algumas ações têm tentado modificar esse quadro.  Com o objetivo de fomentar o uso dos mecanismos legais de acesso, a Abraji e a organização da sociedade civil Fiquem Sabendo desenvolveram o curso LAI nas Redações. O programa, que já teve mais de 2 mil inscritos, procura treinar repórteres de todo o país a fim de fortalecer as políticas de controle social (3).

REFERÊNCIAS

MICHENER, G., VELASCO, R. B., CONTRERAS, E., RODRIGUES, K. F. Googling the requester: Identity-questing and discrimination in public service provision. Governance, 2019.

ŽUFFOVÁ, M. Fit for Purpose? Exploring the Role of Freedom of Information Laws and Their Application for Watchdog Journalism. The International Journal of Press/Politics, 2021.

NOTAS

  1.  Ver em: https://mariazuffova.com/.
  2. Ver em: https://www.abraji.org.br/noticias/pesquisa-aponta-alto-indice-de-jornalistas-que-nunca-fizeram-pedidos-de-acesso-a-informacao
  3. https://fiquemsabendo.com.br/transparencia/curso-lai-jornalismo/.

* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná. Mestra em Ciência Política e Bacharela em Ciências Sociais pela mesma universidade. Bolsista Capes. Integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Tecnologia (PONTE).

As opiniões expressas pela(o)s autora(e)s pertencem a ela(e)s e não refletem necessariamente a opinião do Grupo de Pesquisa e nem de seus integrantes.

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